Luta Antimanicomial – Uma Faca de Dois Gumes

O que diz a lei de Saúde Mental? (Lei 10.216/01)

Exporemos aqui a Lei de Saúde Mental e comentaremos em azul. A lei será grifada em vermelho para fins didáticos.

Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.

Assim, não existem diferenças legais e TODOS merecem o MESMO tipo de tratamento. 

Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

Dessa forma, a lei PREVÊ internação INVOLUNTÁRIA, desde que com humanidade e com respeito, atendendo às necessidades básicas do ser humano. 

Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Aqui, a lei joga ao Estado a responsabilidade de promover ações de saúde aos portadores de Transtorno Mentais, porém não especifica que hospitais psiquiátricos são bons ou ruins. São apenas estabelecimentos de saúde mental. 

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.

Interessante notar aqui que a internação psiquiátrica, tão condenada pelos assim chamados anti-manicomialistas, é prevista em LEI, desde que os recursos extra-hospitalares tenham se mostrado INSUFICIENTES. Da mesma forma, a lei prevê a internação em quaisquer de suas modalidades (veremos mais à frente), desde que o estabelecimento de saúde mental não tenha características asilares. Aqui, mais uma vez, é comum que os anti-manicomialistas façam alarde. Asilar, nos termos da lei, significa: sem assistência multiprofissional e sem os direitos do parágrafo único do artigo 2. O fato de permanecer longos períodos internado não torna uma internação asilar, desde que preenchidos os requisitos acima mencionados. 

Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.

Aqui a Lei cita os pacientes com internação prolongada, seja ela pelo quadro clínico ou pela falta de suporte social, com características de dependência institucional. Para essas pessoas, criar-se-iam políticas específicas. Uma delas é o programa “De Volta para Casa”, do Ministério da Saúde. Esse programa basicamente não funciona, quer pela falta de vagas, quer pela falta de recursos para que funcione adequadamente. Além disso, muitos pacientes com dependência institucional simplesmente, por diversos motivos, não se adaptam a quaisquer mudanças em sua rotina. 

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Como vemos aqui, a Lei prevê a internação MESMO QUE O PACIENTE NÃO QUEIRA. Isso é objeto de protestos pelos anti-manicomialistas, porém está regulamentado pela Lei. 

Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.

Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Temos aqui todo o teor da Lei de Saúde Mental.

Agora, uma breve explanação:

Hospital psiquiátrico não é manicômio. Pacientes que apresentem os seguintes critérios:

  • risco de auto ou heteroagressividade;
  • risco de suicídio ou homicídio;
  • incapacidade grave de autocuidado;
  • risco de exposição social;
  • risco de perturbação à ordem pública e social.

serão internados involuntariamente em serviços psiquiátricos, não como um castigo, mas sim para seu próprio bem e o bem da sociedade. A internação deve durar o tempo que for necessário para que o paciente TENHA CONDIÇÕES de ser reinserido na sociedade.

É comum ouvirmos: mas, e se ele quiser morar na rua?

Respondo: Não há nada que proíba alguém de morar em via pública, EXCETO quando a pessoa está tão suja que corre o risco de atrair doenças para si, para outrem, bem como deixa de lado a dignidade humana que a dita luta anti-manicomial diz defender.

Além do mais, esse povo que é contra terapias biológicas (eletroconvulsoterapia, estimulação magnética, TDCS, entre outras), precisa estudar mais, pois são terapias extremamente eficazes e funcionais, com efeitos colaterais mínimos. Ninguém questiona quando um cardiologista diz que precisa fazer um cateterismo. Porém, todos ficam horrorizados se o psiquiatra contém um paciente no leito, mesmo que seja para a própria proteção do paciente.

Não espero que os defensores dessa ‘luta anti-manicomial’ apresentem argumentos muito lógicos. Porém, a total falta de lógica faz qualquer ser dotado de um mínimo de inteligência questionar as afirmações absurdas e estapafúrdias dos anti-manicomialistas.

Em caso de dúvida, procure o psiquiatra e esclareça com ele o porquê daquele procedimento.