Os artistas governistas e os barões do café
O problema da intervenção estatal nos preços
Muitas pessoas tem uma crença cega na eficiência da ação dos governos sobre a determinação de preços de produtos e serviços. Essa questão envolve um problema que vai além da incapacidade dos agentes do estado em realizarem o cálculo econômico para estabelecer preços compatíveis com as curvas de oferta e demanda do mercado (fato muito abordado pelos economistas da Escola Austríaca). Ocorre que, quando os governos intervém em preços, geralmente o fazem em benefício próprio ou em benefício de grupos de interesse ligados aos políticos, e não em benefício dos cidadãos.
Quando o estado intervém em preços para forçá-los para baixo daquele que seria compatível com a curva oferta-demanda, visa agradar o eleitorado desinformado para fortalecer projetos de perpetuação de poder. Essa prática surte efeitos negativos nos cidadãos, como escassez, por exemplo. Mas é muito fácil terceirizar a culpa por esses efeitos negativos, a jogando em agentes privados, quando se domina os meios de propaganda, seja através de emissoras estatais, ou tornando as emissoras privadas de propaganda estatal.
Outro tipo de intervenção é aquele que ocorre, não para forçar os preços para baixo, mas sim para cima do que seria determinado naturalmente pelo mercado. Esse tipo de intervenção ocorre para beneficiar grupos de interesse ligados aos governos, como por exemplo, grandes oligarquias ou grandes corporações que financiam campanhas eleitorais.
Um exemplo claro desse tipo de intervenção é a determinação de barreiras protecionistas contra a importação de veículos automotores, que ajuda as montadoras estabelecidas em território nacional a manterem os preços de seus veículos mais altos do que os do mercado internacional. Outro exemplo são as desvalorizações monetárias, que visam encarecer os produtos estrangeiros dentro do mercado nacional.
Esse tipo de intervenção ocorre quando fornecedores de um tipode produto ou prestadores de serviço têm poder para pressionar os governos, para que estes os ajudem a vender seus produtos ou serviços por um preços mais alto do que este vale.
Nesse sentido, tivemos no Brasil, durante a República Velha, uma das intervenções mais estúpidas que um governo poderia fazer: o acordo que foi chamado de “Convênio de Taubaté”.
O Convênio de Taubaté
No início do século XX, houve uma grande expansão da produção cafeira, que causou uma alteração significativa na curva oferta-demanda. O grande aumento na oferta de café fez com que seu preço desabasse no mercado nacional e internacional.
Vale lembrar, que durante aquela época, o Brasil vivia sob a “Política do Café com Leite”, que era uma alternância de poder entre políticos ligados aos grandes produtores de café (SP) e políticos ligados aos grandes produtores de leite (MG). Portanto, as grandes oligarquias cafeeiras possuíam grande influência sobre os políticos.
Então, não aceitando a realidade da queda do preço no mercado, as oligarquias cafeeiras pressionaram o governo para que intervisse de forma a manter o preço do café artificialmente.
Em 1906, os governadores dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais propuseram ao governo que este comprasse e estocasse os excedentes da produção de café, para reduzir a oferta disponível no mercado e assim impedir a queda do preço. Essa proposta foi conhecida como “Convênio de Taubaté”.
O então presidente Rodrigues Alves foi contra essa medida, pois, acertadamente, acreditava que seria prejudicial à economia brasileira. Rodrigues Alves estava coberto de razão. Como o governo não tinha recursos em caixa para a compra do café, essa compra se daria através da contração de empréstimos, o que levaria o país a um grande endividamento externo.
No último ano de seu governo, Rodrigues Alves foi obrigado a ceder à pressão das oligarquias cafeeiras e colocou em prática essa política desastrosa. O poder dessas oligarquias era tamanho, que essa política durou até o final da década de 20, quando a crise de 29 tornou muito mais difícil a contração de empréstimos, inviabilizando essa prática e levando muitos dos grandes cafeicultores à falência.
Com o declínio econômico dos cafeicultores, houve o fim declínio de seu poder político, o que pôs fim à República Velha e deu início à era de Getúlio Vargas.
O poder das oligarquias cafeeiras se foi, mas o prejuízo deixado por estas ficou. Durante aquele período, deu-se início ao endividamento externo do qual o Brasil nunca mais saiu.
O que os artistas governistas têm a ver com isso?
É claro que os artistas brasileiros não detém tanto poder econômico quanto detinham os barões do café. Porém, constituem um grupo de interesse, do qual boa parte é ligado ao governo e exerce grande pressão política. Seu poder político não deriva de seu poder econômico, mas sim de seu status de formadores de opinião. Devido a esse status de formadores de opinião, eles podem impôr grandes sanções políticas aos governos, os tornando impopulares e os desestabilizando.
Mas o que há em comum, de fato, entre os artistas governistas e os barões do café da República Velha, é que esses reivindicam junto ao governo medidas para que vendam seus serviços por um preço maior do que estes valem no mercado.
Não apenas reivindicam, como conseguem. Ocorre todo tipo de ajuda estatal para que essa classe consiga vender seus serviços por preços supervalorizados: protecionismos e patrocínios.
Como medida protecionista, podemos citar o exemplo da lei que reservou uma cota das salas de cinema para filmes nacionais, os protejendo da concorrência cotra filmes estrangeiros. O resultado natural do mercado era a preferência esmagadora dos consumidores pelos filmes estrangeiros. Os donos dos cinemas reservam suas salas de acordo com suas estimativas de mercado. Para favorecer os filmes nacionais, o governo criou essa reserva de mercado. O resultado foi um facasso. As salas reservadas aos filmes nacionais tiveram péssimos resultados de bilheteria e se tornaram um fardo para os donos de cinemas, que são obrigados a mantê-las funcionando mesmo sem vender ingressos.
E os patrocícios que o governo faz à ANCINE e a diversos projetos artísticos, através do Ministério da Cultura é similar ao Convênio de Taubaté. Assim como o governo da República Velha comprava o café excedente que não servia para nada por um valor acima do preço de mercado, nosso governo paga por esses projetos valores mais altos do que o mercado estaria disposto a pagar. Do contrário, eles não estariam desesperados com o fim do MinC (que infelizmente foi revogado).
Não estou aqui, questionando a qualidade desses artistas e suas obras. Estou apenas falando de valor de mercado.
Moral da história
O mais importante a se compreender sobre essa história é que, mesmo estando coberto de razão, Rodrigues Alves foi obrigado a ceder a grupos de interesse, para que estes pudessem vender seus produtos por um preço maior do que valiam. Da mesma forma, Michel Temer, mesmo estando coberto de razão ao reduzir o MinC ao status de secretaria, foi pressionado por grupos de interesse e acabou voltando atrás.
É claro que a decisão sobre o MinC tem um peso insignificante na economia, se comparado ao Convênio de Taubaté. Mas o fato de Temer ter cedido a essa pressão, e ter resistido menos de uma semana em sua posição sobre o assunto, nos dá motivos para duvidar que ele tenha a firmeza necessária para conduzir as reformas das quais o Brasil precisa.
A reforma da previdência, por exemplo, é uma pauta extremamente impopular, que pode desencadear uma grande revolta em todo o país. Se Temer recua mediante um “chororô” de artistas sobre um assunto de menor importância, quando se defrontar com a revolta de movimentos sindicais e com a crítica da imprensa sobre um assunto de maior relevância, pode acabar enfiando o rabo entre as pernas e deixando as reformas para o seu sucessor.
Temer vai tremer!