Vergonha de quê??
Após a sessão de 17/04 da Câmara Federal, que aprovou o pedido de impeachment da Presidente Dilma, as redes sociais e até os órgãos de imprensa foram inundados por críticas ao baixo nível dos deputados. Falava-se da vergonha que muitos sentiram ao constatar quem eram nossos deputados federais. Alguns criticavam a má qualidade do português dos deputados, outros a menção a Deus e aos familiares durante os votos. O que mais se ouviu ou leu foi que esses políticos não deveriam estar lá, que o povo brasileiro mereceria melhores representantes. Até propostas de realização de provas de conhecimentos para os candidatos a parlamentares foram sugeridas, com grande apoio.
Embora esse tipo de crítica tenha sido mais frequente entre esquerdistas (ou “isentos”, o novo disfarce da Esquerda brasileira), também esteve presente entre direitistas. O objetivo desse texto é justamente questionar esse tipo de crítica.
Vamos começar com a dedicação do voto a Deus. Por mais que a Esquerda, e até alguns setores da Direita, não goste, a IMENSA maioria da população brasileira acredita em Deus. Sejam católicos, protestantes, judeus, espíritas, muçulmanos, podem haver discordâncias específicas, mas não na crença em Deus. Querer que os parlamentares brasileiros sejam todos ateus seria desejar que a maioria do país fosse comandada por uma minoria, algo não democrático. Aliás, se formos ser rigorosos, existem mais parlamentares ateus do que a proporção de ateus na população brasileira.
Alguns “isentos” afirmam que, embora nada haja de errado em se crer em Deus, esses parlamentares deveriam se abster de falar no nome d’Ele, em respeito aos que não creem. Mas uma maioria não poder afirmar sua própria crença em respeito à crença de uma minoria não significa justamente uma minoria impondo seus padrões à maioria?
Alguns hipócritas, na sua maioria ateus, disseram que os parlamentares não teriam moral para citar Deus, visto que muitos são suspeitos de corrupção. Obviamente que esse argumento só pode ser proveniente de ateus, pois qualquer deísta sabe que Deus não é exclusividade das pessoas sem pecado. Aliás, estas precisam pouco de Deus. Quem mais precisa d’Ele são justamente os pecadores.
Agora vamos à família. A indignação de algumas pessoas por parlamentares citarem suas esposas e filhos cheira muito mais a uma má vontade com a família tradicional do que algum motivo sério. Um parlamentar representa um certo grupo de eleitores. Sua família está entre esse grupo. Se um parlamentar negro dedicasse seu voto aos “irmãos negros”, uma feminista dedicasse às “irmãs mulheres” ou mesmo um deputado homossexual dedicasse ao seu marido ou filho adotado, os mesmos críticos estariam tendo orgasmos politicamente corretos. Mas um marido ou esposa dedicar o voto aos filhos é ofensivo para eles. Argumentos de que muitos políticos têm amantes é muito semelhante ao de que políticos corruptos citaram Deus. Afinal, ter uma amante não significa que você não tem esposa e filhos para dedicar seu voto. Isso sem contar a generalização rasteira de se afirmar isso sem provas.
Agora vamos à questão que mais gerou indignação, inclusive de parte da Direita. A má qualidade do português dos deputados federais. Essa revolta, na verdade, não passa de puro elitismo. Existe alguma comprovação de que um político com alto nível de estudo seja melhor ou mais honesto? Ou que um político com pouco estudo seja mais sujeito à corrupção?
Paulo Maluf é engenheiro. Delúbio Soares é formado em matemática. Dilma é formada em economia (acreditem!!). A maioria dos presos no Mensalão tem curso superior. O mesmo ocorre com os denunciados na Lava Jato. Já Tiririca, que foi chamado de analfabeto, não só votou a favor do impeachment, como enganou uma raposa velha como Lula. Corrupção é algo bastante democrático. Crer que somente políticos sem estudo estão sujeitos à corrupção chega a ser uma ingenuidade.
Platão defendia uma sociedade onde somente aos intelectualmente superiores caberia a condução dos rumos da administração pública. Muitos criticam Platão por essa defesa, particularmente os esquerdistas que creem que as massas são igualmente sábias para conduzir um país. De Platão até os dias de hoje, muitos defenderam um governo formado pela elite intelectual de um país, enquanto outros tantos defenderam que todos tivessem o mesmo direito, independente de sua formação acadêmica, nível social ou intelectual.
Não deixa de ser curioso que tantos esquerdistas tenham se declarado envergonhados pelo péssimo português dos deputados. Afinal não foram eles que acharam lindo que Lula, um ex-operário ter chegado à Presidência? Não são eles que pregam a “ditadura do proletariado”? Esse proletariado teria PhD?
A má qualidade do português de nossos deputados é somente um reflexo da má qualidade do português (e do ensino como um todo) do brasileiro. Basta ver algumas postagens das redes sociais para constatar que muitos brasileiros sabem utilizar um smartphone, jogar PS4, mas não sabem escrever o mais básico texto. Isso sem contar a dificuldade para compreender textos simples.
Não estamos falando em concordância nominal, concordância verbal, uso de crase ou algo assim. Estamos falando de ortografia de palavras simples. De como se escreve um verbo, no passado ou no futuro, ou palavras de uso diário. Como esperar que um deputado seja magicamente transformado em um intelectual após ser eleito?
Mas, a verdade pura e simples é que, se o resultado da votação tivesse sido a rejeição do pedido de impeachment, muitos desses mesmos críticos estariam hoje louvando a representatividade desses deputados semianalfabetos. Desqualificar os deputados é somente uma estratégia para tornar a decisão não representativa. E parte da Direita caiu como um patinho, repetindo o discurso de que os deputados, que decidiram corretamente pelo impeachment são patéticos. Notem que a maioria dessas críticas da mídia não recaíram sobre deputados dedicando seu voto aos ícones da Esquerda, tais como Lamarca, Marighela, MST, reforma agrária, povos indígenas, minorias variadas, etc. As críticas a essas dedicatórias só vieram da Direita como forma de contrabalançar as críticas à Bolsonaro e sua citação de Ustra, mas a imensa maioria dos críticos só se concentrou em Deus, família e nível de português.
Queremos melhores representantes? Precisamos melhorar a sociedade como um todo. Valorizar o estudo, a competência, a honestidade, a integridade das pessoas desde a escola até as universidades. Só assim nossos políticos serão motivo de orgulho em todos os sentidos. Antes disso, nos conformarmos quando eles votam corretamente como fizeram dia 17.