Tenham medo, tenham muito medo!
Charles Boycott 1832-1897 foi um inglês administrador das terras de um Lord na Irlanda. Em 1880 um movimento queria que os inquilinos pudessem: 1-ter o valor de seu aluguel definido pelo governo em vez de pelo dono da terra, 2-não poder ter o contrato cancelado se o pagamento estivesse em dia e 3-poder vender o contrato de aluguel sem a interferência do dono da terra.
Particularmente acho que somente a segunda reivindicação é razoável, mas o movimento foi extremamente popular. Funcionários de Boycott deixaram seus empregos e lojas da cidade começaram a se recusar a vender para ele. Esta última parte é irónica, pois implicava que o dono de um negócio podia escolher seus clientes, coisa que os manifestantes estavam combatendo. Efetivamente, Charles Boycott foi isolado da sociedade e deu seu nome a uma nova palavra: o boicote.
O populismo coletivista de diversas tendências propõe boicotes com a mesma facilidade com que se dá bom dia. Quase a totalidade deles, ao contrário do original Irlandês, fracassam pois eles não tem o menor apoio da opinião popular que pretendem representar. Desde que me lembro existe a campanha permanente dos coletivistas brasileiros de “Boicote à Rede Globo”. O que é irônico tendo em vista o viés coletivista da Globo. Recentemente ocorreu o boicote ao Oscar devido ao não preenchimento da cota de negros para a indicação de melhor ator. Foi fácil para Spike Lee cumprir o boicote, uma vez que ele não havia sido convidado, mas, fora isto, foi um fracasso quase total.
O boicote é um instrumento de pressão social legítimo. Aliais, contanto que a ameaça de violência não seja usada, ele é auto-legitimador. Se o boicote tiver sucesso é porque teve apoio do grupo que quis mobilizar, se fracassou, não foi legitimado pelo grupo. O boicote comercial de países ao Brasil, devido ao impeachment, por exemplo, está fracassando devido ao fato que somente nulidades e não parceiros comerciais significativos ter aderido. Comemoremos um único bom resultado da vergonhosa política externa do PT.
Há a proposta de Boicote ao filme Aquarius. Eu nunca tive a intenção de assistir ao filme, então, tal como Spike Lee, não tenho decisão a tomar quanto a boicotar o filme ou não. Pessoalmente, acho que, se fossemos boicotar todas as obras de artistas com tendências populista-coletivistas, acabaríamos tendo que passar o tempo só jogando xadrez. No entanto, um comentário no Facebook a respeito me fez pensar. Ele foi feito como um desabafo emocional de uma pessoa que respeito, mas que tem um pensamento coletivista e ficou ofendida com a proposta de boicote ao filme. A questão do boicote em si é irrelevante. Mas a reação dela e as palavras que usou motivaram minha reflexão.
Em primeiro lugar, ela usa a expressão “os poderosos” para caracterizar a “direita”. Tradicionalmente no Brasil, “direita” era a descrição genérica para quem não concorda com certas teses (ex. legalização da maconha e a liberação do aborto) ou para quem defende os interesses de pessoas ricas como as famílias Sarney, Calheiros e Odebrecht. Somente no segundo caso o termo “poderosos” se aplica. No primeiro caso, o que acontece não é a oposição de poderosos. O simples fato é que a maioria do povo brasileiro, que os coletivistas pretendem representar, são contrários a estas teses. Algumas pesquisas chegam a índices próximos de 80% de rejeição. No entanto, este grupo de pessoas nunca formou um grupo político coeso. Muitas são inclusive simpatizantes do pensamento populista-coletivista. Mas enfim, esta é a “direita” que a “esquerda” brasileira está costumada a enfrentar.
Por outro lado, se caracterizarmos “direita” como um grupo político que prioriza o indivíduo e defende um Estado menor, mais eficiente e menos interventor, então não havia direita no Brasil. Ela está se formando agora e, ironicamente, o responsável é o PT. As tentativas de, entre outras coisas, interferir na educação ideológica dos nossos filhos e controlar a imprensa, aliado ao medo (na minha opinião infundado) de que o Brasil podia se tornar uma Venezuela, fez com que algumas pessoas se manifestassem. No princípio timidamente, com medo de ofender seus amigos de “esquerda”. Depois, à medida que o escândalo da administração PTista foi ficando cada vez mais evidente, ficou claro que havia concordâncias ideológicas profundas. Pessoas começaram a perceber que não estavam sozinhas em suas ideias estranhas. Aos poucos, a palavra “direita” foi assumindo o significado que, na minha opinião, é o correto do ponto de vista contemporâneo. Este novo grupo não representa o interesse dos “poderosos” e nem nasce de grupos que são tradicionalmente ativos na política, como os sindicatos. Ele surge na classe verdadeiramente revolucionária: a classe média. Seus membros definitivamente perderam o medo de ofender a “esquerda”. As enormes manifestações contra o PT (especialmente se comparadas com as de suporte ao partido, feitas com a ajuda da CUT e de outras organizações partidárias) fez este grupo perceber que nada tem a temer da opinião popular. Pelo contrário, ele percebeu que pode representar e mobilizar esta opinião tão bem quanto os coletivistas no passado.
Eu vejo esta nova direita como tendo um núcleo ideológico ainda em processo de acomodação, mas já se definindo em linhas gerais (apesar de excessos e desvios de alguns). Posso citar uma lista de 8 pontos em que, creio, qualquer pessoa deste novo grupo concordará com pelo menos 5 (não necessariamente os mesmos 5):
(1) Apoia a existência de uma rede de assistência social que seja eficiente e atenda a quem realmente necessita, mas rejeita o Estado paternalista e superinchado.
(2) Acredita que o Estado não deva interferir nas crenças e valores privados do cidadão e, em particular, na formação ideológica das crianças.
(3) Deseja uma Imprensa que seja responsabilizada quando agir de forma irresponsável da mesma forma como ocorre nos países de Primeiro Mundo, mas é aguerrida na luta pela liberdade de imprensa, acreditando que é um dos pilares da liberdade do cidadão.
(4) Acredita que a tolerância com a livre expressão de pessoas com as quais não concordamos nos diferencia da Esquerda. Assim, por exemplo, rejeita a discriminação de homossexuais, mas entende que é direito de pessoas de certas religiões terem a opinião de que homossexualismo é pecado e verbalizarem esta opinião.
(5) Entende a Educação como um valor básico e não aceita coisas como aprovação automática. Em vez disso, verbas que estão sendo usadas em outros programas podem e devem ser movidas para a Educação.
(6) É realista em termos econômicos e entende que há uma diferença entre o que seria ideal realizar e o que se pode realizar de forma responsável. Por isto apoia a responsabilidade fiscal. Mesmo aqueles que têm um viés econômico Keynesiano entendem que um Governo pouco endividado em tempos de bonança tem até a opção de lançar mão do endividamento diante de uma crise, mas um já excessivamente endividado não.
(7) Defende o Estado de Direito e o Império da Lei. No Brasil o Executivo toma medidas com força de lei e o Judiciário se baseia em doutrinas que ninguém validou para uma interpretação completamente livre da Lei, inclusive da Constituição. Sem segurança jurídica não há liberdade. O Estado deve se subordinar à lei e aos direitos fundamentais.
(8) Defende que o Estado tem um papel de regulação e que o mercado não funciona magicamente sozinho como um fenômeno da natureza. Concorda até que o Estado possa ter uma atuação mais direta na Economia, por exemplo, fazendo os investimentos em Infraestrutura. Concorda até que, quando não há o interesse da iniciativa privada, ou em caso de monopólios naturais, haja a manutenção de empresas estatais. Mas acredita que o nível de regulamentos e as obrigações assessórias impostas à iniciativa privada já ultrapassaram toda medida do razoável.
O governo da PresidentE Dilma acabou. Dirceu foi condenado e Lula pode ser processado. Mas o PT não vai acabar. Seus diversos clones já ocuparam espaços. Os sindicatos aparelhados e os “movimentos sociais” (com aspas quádruplas) continuarão a existir e a ter influência. Mas não se pode colocar o gênio de volta na garrafa. A era de uma só ideologia acabou no Brasil.
É excitante participar deste processo. Os políticos coletivistas do PT, PSOL, Rede etc. começaram a temer e a odiar este novo grupo. Ficou claro que o PSDB está longe de comungar com o ideário desta nova “direita” e não pode cooptá-la (é emblemática a imagem da expulsão de Aécio e Alckmin de uma manifestação). Os políticos fisiológicos (ex. Temer e companhia) começaram a tomar decisões com base nas ações deste grupo e não nas de entidades ligadas aos coletivistas, como o MST e a CUT. Não há, ainda, Deputados e Senadores que honestamente defendam as novas ideias, mas partidos como o NOVO e talvez o PSL são embriões da representação política desta nova “direita”. Ainda, é claro, há muito a fazer! Precisamos achar um modo de aparelhar as Universidades de forma que duas ideologias sejam representadas em vez da monotonia atual. Precisamos de revistas, jornais e redes de televisão que deem voz as novas ideias. Tudo isto ainda está longe! Um gigante apenas acordou e tomou consciência de si mesmo. Flexionou músculos que ainda não sabe usar e derrubou um governo. Os populista-coletivistas estão assustados de pensar no que está por vir. Eles têm razão. Tenham medo, tenham muito medo.