Posso comemorar indignado ?

Acabei de ler que o ministro do Planejamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), estaria metido em um acordo para barrar o avanço da Operação Lava Jato. Não ouvi as gravações, mas não tenho muitas dúvidas que seja verdade. Antes de dizer o que sinto a respeito quero comentar que, há pouco tempo, li um post dizendo algo como: após o impeachment, quem é contra a corrupção continua indignado, mas quem é contra o PT está comemorando. Isto, na verdade, é uma técnica de retórica chamada “alternativa forçada”. Apenas duas alternativas são apresentadas quando existem muitas. No presente caso eu comemoro o impeachment e continuo indignado com o fato que, embora alguns corruptos tenham sido processados, muitos ainda estão impunes e alguns receberam cargos no novo governo. Aliais eu sou contra a corrupção e contra o PT e, obviamente, uma coisa não exclui a outra. E o fato é que me sinto indignado que o Romero Jucá seja ministro do Planejamento.

É muito comum que o debate político seja desonesto (usando técnicas como a alternativa forçada), confuso e superficial. Um dos grandes motivos é que as pessoas não se dão ao trabalho de estudar e organizar seus argumentos de maneira coerente e baseada em fatos. Opiniões podem divergir e é perfeitamente legítimo ser de Direita ou de Esquerda. Mas, se você não quiser ficar repetindo chavões e palavras de ordem como um idiota útil, vai ter que se dar ao trabalho de ter longos, fundamentados e detalhados argumentos. Quero contribuir para quem deseja ter este tipo de debate, lembrando que existem muitas questões que, apesar de não poderem ser completamente separadas umas das outras, são questões diferentes.

Em primeiro lugar a questão da corrupção. É obvio que sempre existiram políticos corruptos e que apenas uma parcela deles costuma ser punida. No início dos anos 90, por exemplo, durante o chamado escândalo dos Anões do Orçamento, descobrimos que um grupo grande de congressistas fraudou recursos do Orçamento da União por anos, até ser descoberto. Um parte foi punida, mas outros escaparam. Isto justifica o argumento de que o PT fez o que sempre se fez e não merece indignação especial? Não, não justifica. O PT passava uma imagem de que seus políticos eram os únicos que não eram corruptos. A postura do PT torna seu envolvimento nos escândalos de corrupção algo bizarro. Mas não é só isto. A corrupção no Brasil sempre foi descentralizada. Havia o esquema do político A e o esquema do grupo B. Por mais deletério que fosse o efeito de um destes esquemas, sempre existe limite no que eles podem atingir. No caso do PT, o esquema de corrupção foi montado pela cúpula do partido para beneficiar o partido. No início, inclusive, era de mau gosto usar o esquema em benefício próprio. É função do tesoureiro do PT gerenciar o esquema. Se um tesoureiro for pego, não importa. O próximo assume as funções. O PT, o PSDB, o PMDB etc. estão cheios de políticos corruptos. Comemoro cada vez que um deles é pego. Mas reservo uma indignação especial à existência de um partido que é corrupto como instituição.

Em segundo lugar temos a questão do impeachment. Existem três condições necessárias para o impeachment de um presidente: alta impopularidade, oposição de 2/3 tanto no Senado quanto na Câmara e um crime. O nível de aprovação popular do governo Dilma ficou abaixo dos 10% e as manifestações contra ela foram as maiores da história. Este fator e sua própria incompetência na gestão política virou um número suficiente de políticos contra ele e o PT. E quanto ao crime? O crime existiu. Frequentemente a imprensa presta um desserviço ao tentar transformar a informação em manchete. O termo “pedalada fiscal” passa a ideia de que o que houve foi apenas um problema administrativo. Na verdade, Dilma cometeu pelo menos dois crimes. Para entender isto, temos que entender como funciona o “bolsa família” e o “minha casa, minha vida”. Como os dois casos são similares, vou falar do “bolsa família” que é mais fácil. A coisa funciona de forma semelhante a uma empresa que coloca sua folha de pagamento em um banco. O banco é um mero intermediário. O governo deve depositar o dinheiro do “bolsa família” e o banco presta o serviço de repassar este dinheiro para os beneficiados. Da mesma forma que uma empresa pode não ter disponível no caixa dinheiro suficiente para pagar a folha, pode acontecer de haver uma desfasagem, de alguns dias, de uma parte do dinheiro do “bolsa família”, que o banco paga antes de receber. O governo Lula já fazia isto. Aliais, todo governo faz, vez por outra. A questão é que o governo Dilma começou a deixar de depositar quantias muito grandes por meses. Os números chegam a dezenas de bilhões de reais. Se uma empresa deixa de depositar uma parcela enorme de sua folha de pagamento e o banco continua honrando o pagamento de seus funcionários, é óbvio que isto só fecha se o banco concede um empréstimo à empresa. O caso do governo é o mesmo. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil concederam empréstimos enormes ao governo. Isto é um fato e o foi o parecer oficial do TCU. O motivo destes empréstimos era diminuir o deficit do governo, transferindo-o para os bancos estatais. Se você tem ações do Banco do Brasil, você foi prejudicado por esta prática. Imagine que a Diretoria de um banco peque empréstimos pessoais vultuosos a ponto de prejudicar o resultado do banco. Você deve concordar que tal prática deveria ser proibida por lei. Para sua possível surpresa, ela é, de fato, proibida por lei, pelo menos no caso do governo. O artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal determina que é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. O Banco do Brasil e a Caixa concederam crédito de bilhões de reais ao governo federal que os controlam. Isto é crime. Mas não é só. De acordo com outra lei, de número 1.079/50, são crimes de responsabilidade do presidente da República: 1-Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal e 2-Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal. Estes crimes também foram cometidos. Certamente eles ficariam impunes se a Presidente Dilma tivesse um grande apoio popular e controlasse a maioria do congresso. Mas como não foi este o caso, a lei foi aplicada. O chavão “é golpe !” não passa de uma narrativa criada em benefício dos que ainda resistem no apoio do governo.

Finalmente chegamos na última questão: a oposição radical ao PT e ao projeto que ele representa e que outros partidos, como o PSTU, o PSOL e a Rede compartilham. Do ponto de vista econômico, não estamos nesta situação porque o PT roubou, mas porque o PT é o PT. O motivo principal de lojas estarem fechando e pessoas perdendo o emprego não é o financiamento de campanha movido a dinheiro desviado. A economia está como está porque, no fim do segundo mandato do Lula e no primeiro mandato da Dilma, o PT achou que já estava na hora de implantar o que eles realmente defendiam e continuam defendendo. Isto é verdade mesmo para os PTistas honestos (eles existem e sou amigo de alguns). A Nova Matriz Econômica implementada por Guido Mantega, com o aplauso geral, foi o que quebrou o país. Isto gera o ódio às ideias económicas do PT. O uso de uma quantidade enorme de verbas públicas na propaganda possibilitou ao PT influenciar a imprensa a ponto de conseguir a demissão de jornalistas famosos. Isto também gera ódio ao PT. A interferência na educação de nossos filhos, tentando fazer que questões ideológicas virem parte do currículo também gerou ódio ao PT. Se o PT não fosse um partido corrupto e se Dilma não tivesse cometido crimes de responsabilidade eu continuaria a falar contra o seu projeto. Mas eu teria que aguardar até as próximas eleições para ter alguma esperança de mudança. Os escândalos e os crimes geraram o impeachment e eu comemoro.

Não vou comemorar ter Temer como presidente. Gostaria de vê-lo preso junto com Lula, Eduardo Cunha, Aécio Neves e outros, mas não há, até o momento, provas contra ele como existem em relação a estes outros. O caso do ministro Romero Jucá é diferente. Eu sou contra o projeto do PT e a favor do impeachment, mas também sou contra a corrupção. O Delcídio Amaral foi pego por tentar interferir no andamento da Lava Jato. Se confirmadas as gravações, Romero Jucá tem que ter o mesmo destino.

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