Não podemos negar que a China atual é um verdadeiro sucesso econômico sendo atualmente a 2ª maior economia do mundo atrás apenas dos Estados Unidos. Enquanto muitos especulam quando esta “ultrapassagem” ocorrerá, e se ocorrerá, devemos nos perguntar se ela será sustentável no futuro sem que haja uma democracia instaurada. Esta é a questão!
Primeiro entendamos como se deu o boom chinês. Apesar da idolatria a Mao Tsé-Tung, o líder que implantou o comunismo na China e foi o responsável pelos projetos fracassados como “O Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural” que levaram ao extermínio de milhões de chineses e ao mergulho do país numa era de trevas cultural e econômica, a China moderna deve a Deng Xiaoping, ex-presidente (1978 a 1992), as reformas econômicas que fariam da China o país com maior crescimento econômico do planeta.
A economia chinesa era planificada até Xiaoping assumir a direção do Partido Comunista Chinês (PCC) e decidir pela modernização da economia pela abertura gradual e controlada do imenso mercado chinês. Como ele fez isso? Através da criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) onde empresas estrangeiras poderiam se instalar, com parceria com empresários locais, e teriam a sua disposição mão-de-obra farta e barata, baixos impostos, isenção total para implantação de equipamentos industriais e facilidades de remessa de lucros para o exterior. Com isso houve gradualmente um aquecimento de um mercado que estava latente havia vários anos e o comércio tanto externo como interno começou a crescer de forma vertiginosa. Com o influxo de caixa advindo das ZEEs o governo de Xiaoping tratou de investir na amplificação das reformas estruturais que o país necessitaria para o seu desenvolvimento investindo em infra-estrutura, energia, alimentação, educação e claro no militarismo.
De forma controlada as ZEEs se expandiram para mais áreas sempre sob a tutela do Estado e a China passou gradualmente de uma população rural para uma população urbana, de uma economia de plantio de subsistência a uma economia exportadora; exportadora em um primeiro momento de manufaturados e bugigangas até começar a exportar produtos eletroeletrônicos de ponta entre outros itens com alto poder agregado; indústrias de alta tecnologia se instalaram e floresceram na China e a mão-de-obra foi se qualificando no mesmo ritmo desses novíssimos polos industriais.
Então com crescimentos econômicos na última década de mais de dois dígitos anualmente, fartura de empregos, fartura de bens e serviços, fartura de dinheiro entre outros podemos concluir que a democracia não faz falta e o socialismo de mercado chinês é um sucesso? A resposta curta e grossa é não. O porquê deste não exige mais um apanhado de dados, mas é de fácil compreensão.
Bem primeiro que a China apostou certo em uma coisa: educação. Ela poderia ter se contentado em ter as maiores fábricas do mundo de botões de camisa ou de abridores de lata ou de outra bugiganga qualquer pois em nenhum outro lugar do mundo a mão-de-obra era tão farta e barata, mas não! Deng Xiaoping e o politburo que o cercava viram que precisavam expandir e diversificar o seu parque industrial e para isso precisariam cada vez mais de quadros bem preparados e investiram maciçamente na educação tanto básica quanto média, técnica e universitária e com isso geraram todo um novo portifólio não só de indústrias, mas de empresas nos ramos de serviços, telecomunicações, aeroespacial, militar dentre outros.
Acontece que este boom econômico chinês como tudo na vida é finito e a China já vem decaindo ano após ano, em 2015 foi de 6,9% e a previsão para 2016 é de 6,5%, bem acima da média mundial que é de 3,4%, mas para quem estava acostumado com crescimentos de dois dígitos nas últimas décadas é um baque e tanto. Muitos fatores levam a esse leve declínio econômico, fatores internos e externos, e se atendo um instante ao 1º vemos que as ingerências do Governo Central chinês na desvalorização constante do yuan, a moeda chinesa, diante do dólar; aumento da regulação bancária através do Banco Central Chinês, ao contrário do que ocorria nos primeiros anos das ZEEs; investimentos errôneos em habitação e alguns polos industriais que não “decolaram”; queda no aporte de investimentos em infraestrutura básica dentre outros.
Mas o que isso tem a ver com a democracia florescendo em solo chinês? Bem a resposta passa a não ser mais tão complexa. Uma vez que o Estado tira-o de uma situação de miséria em que o país se encontrava e passa a prover emprego, educação e bens de consumo que antes apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso e massifica isso, você tem uma primeira geração de chineses muitíssimo gratos ao Estado por isso, pois conheciam uma realidade muito pior; depois a geração de seus filhos, mais bem educados, ainda conseguem excelentes empregos e prosperam nas carreiras e a vida é melhor que a geração anterior; a nova geração já vem com uma bagagem educacional muito maior e está inserida em um mundo globalizado cada vez mais dinâmico e veloz e já começa a ver que o Estado, bem o Estado engessado, já não consegue prover-lhe tudo que ele deseja; e este cidadão mais “antenado” passa a perceber que o boom econômico acelerado e a mega-industrialização de seu país não veio acompanhado, por exemplo, de cuidados com o meio ambiente, e ele observa que vive em uma megalópole linda, mas com índices de poluição alarmantes e que as autoridades não estão dando a devida importância a isso; ele observa que os trabalhadores das indústrias básicas não tem sequer uma jornada de trabalho adequada e direitos trabalhistas mínimos respeitados; que a sua internet não é uma fonte de buscas de conhecimentos “livres e ilimitados”, pois o Estado monitora e censura boa parte do conteúdo desta; e por fim este cidadão passa a se dar conta que ao contrário dos cidadão de outros países que vivem sob a tutela da democracia ele nem pode se expressar abertamente sobre estas e outras deficiências de seu país sob o risco de ser preso por se manifestar contra os interesses do “povo chinês e do PCC”.
Então a cada nova geração de chineses, cada vez mais escolarizados, cada vez mais exigentes, cada vez mais globalizados e com a economia outrora em ascensão e agora em declínio e estabilização em patamares ditos “normais” de crescimento, as pressões por democracia, ou seja, por uma real participação popular nos rumos da economia e nos próprios rumos da nação tendem não só a florescer, mas a entrar em ebulição nesta nova China, que não poderá mais realizar em uma próxima manifestação pró-democracia um novo Massacre da Praça da Paz Celestial, pois além de sofrer sanções internacionais, não contará com a aprovação da sua própria população. O que nos resta saber é se aparecerá na China um novo Deng Xiaoping, mas que em vez de promover a abertura econômica, promova uma abertura política na China, mesmo que de forma gradual e paulatina introduzindo a democracia nesta nação milenar ou teremos confrontos e a ebulição de uma guerra civil contra um governo que não quererá largar o osso de jeito nenhum. Isso só o tempo dirá…