Uma das vantagens de se viver bastante é que podemos ver diversas coisas surgirem e desaparecerem ao longo do tempo. Com a experiência acumulada, podemos quase prever o futuro, quando alguma ideia “nova”, mas que não passa de reedição de algo antigo, é apresentada.
Os planos de saúde privados, popularmente conhecidos como convênios médicos, surgiram no Brasil por volta da década de 60 do século XX, apresentando um rápido crescimento nas décadas seguintes. Sua popularidade se deveu ao fracasso do SUS, com grande demora para atendimento e má qualidade dos serviços. Na época, ter um convênio médico era um luxo que alguns trabalhadores possuíam, por trabalharem para uma grande empresa. A classe alta não precisava de convênios, pois pagava serviços particulares.
Com o passar do tempo, muitas pessoas se interessaram em ter seu plano de saúde, mesmo sem trabalhar em alguma empresa que pagasse por isso. As mais ricas também acharam vantajoso ter um plano de saúde, pelo menos como uma alternativa ao tratamento particular. Pagava-se um médico particular, mas em casos de internação, usava-se o convênio, pois as despesas hospitalares eram maiores.
Pouca gente sabe, mas a popularização dos convênios acabou levando a um aumento dos valores dos serviços particulares – consultas, exames e internações – não só porque os valores pagos pelas empresas de medicina de grupo não acompanham os valores de mercado, como também pela constante prática da glosa, quando o convênio se recusa a pagar por um serviço alegando alguma irregularidade no preenchimento das guias. Os valores dos serviços particulares aumentaram para compensar o prejuízo causado por essas práticas.
Por volta dos anos 80, já tínhamos uma gama imensa de planos de saúde. Desde planos excelentes, que davam direito à psicoterapia, radio e quimioterapia (um parâmetro de qualidade de convênios) até convênios bem simplezinhos, que davam direito somente a consultas em ambulatórios. Mas para que existiam esses planos? A população de baixa renda não tinha condições financeiras de pagar um bom plano de saúde. Mas o atendimento público era muito ruim. Um plano barato era a solução para casos mais simples. Alguns até incluíam pequenas cirurgias.
A chegada do PSDB à Presidência, em 1995, levou o socialismo fabiano ao poder. Uma das características dessa forma de socialismo é o controle da sociedade através de “agências reguladoras”. Esse método é reconhecidamente ruim, basta vermos que praticamente todas as áreas onde o governo brasileiro criou agências reguladoras estão em crise, da aviação civil à eletricidade, do petróleo às telecomunicações. Assim foi que, por um decreto de 1998, foi determinada a criação da ANS, o que ocorreu efetivamente em 2000. Curiosamente, essa sigla nos faz pensar que seria uma “Agência Nacional de Saúde”, regulando todo o atendimento médico da população, mas trata-se da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ou seja, o Governo decidiu regular algo que não era feito por ele, nem sua responsabilidade e que, mesmo de forma imperfeita, funcionava muito melhor que a versão pública.
E foi aí que a coisa degringolou de vez. Qualquer pessoa mais velha lembra o quanto ter um convênio era bom no passado; como as consultas e exames eram conseguidos rapidamente e como a qualidade do atendimento era alta. Quem pode afirmar isso tudo sobre o atendimento dos planos de saúde atualmente? E de quem é a responsabilidade? Da regulação do Governo…
Para começar, a ANS se declarou a entidade toda-poderosa e que definiria o que um plano de saúde deveria ou não cobrir. Antes disso, era comum o usuário optar se preferia pagar mais por um plano completo, que desse direito a químio e radioterapia, por exemplo, ou um plano mais simples e, consequentemente, mais barato. A ANS acabou com isso. Todos os planos foram obrigados a fornecer todos os serviços, tratamentos e exames. Não é raro vermos anúncios de que a ANS determinou que o acesso a tal ou qual exame passa a ser obrigatório para todos os planos. Curiosamente, muitos desses exames são praticamos impossíveis de serem obtidos na rede pública, ou seja, o Estado obriga a iniciativa privada a fornecer algo que o próprio Estado não fornece aos cidadãos que pagam impostos. Isso sem nenhuma análise de viabilidade econômica de se fornecer o serviço sem aumentar mensalidades. E, recentemente, já corre a proposta absurda de exigir que os planos de saúde forneçam as medicações aos pacientes.
As empresas tiveram que economizar de outra forma, reduzindo a rede se médicos credenciados e serviços diagnósticos. Hoje, um usuário de plano de saúde chega a esperar mais para uma consulta com certas especialidades do que esperaria no SUS!
Os governos petistas mantiveram o modelo fabiano de agências reguladoras, inclusive ampliando seu poder. Durante o Governo Lula, a ANS impôs aos convênios uma série de guias padronizadas que chegam ao absurdo de terem mais de 60 campos a serem preenchidos. Alguns convênios, na época, exigiam somente um simples pedido em receituário para fazer um exame. Passaram a ser obrigados a exigir uma guia imensa e com vários campos preenchidos somente para atender às necessidades de estatística da ANS (informações, por exemplo, se a doença era crônica ou aguda, se era um acidente de trabalho, etc).
Obviamente que nada disso é possível sem que a empresa de medicina de grupo transfira seus custos para o usuário. Não importa se você é um homem saudável de 35 anos, você pagará por uma parcela dos partos de outras usuárias, pelos exames dos doentes e idosos. Isso, é claro, sempre ocorreu. Porém a ampliação dos custos levou a um peso maior dessa distribuição no valor da mensalidade de cada usuário.
Com essas exigências, a imensa maioria dos planos de saúde foi fechando ou sendo comprada pelas empresas maiores. Com custos maiores, as empresas foram deixando a inflação corroer os valores pagos aos médicos e serviços diagnósticos. Para se ter uma ideia, na implantação do Plano Real, um médico recebia o equivalente a 25 dólares por consulta. Isso, nos valores de hoje, representaria cerca de 80 reais. Hoje, um médico recebe 40 reais por consulta…
A situação atual é aquela típica de quando o Estado interfere em algo: ninguém está satisfeito. Os planos de saúde estão com dificuldades financeiras, os médicos e serviços de apoio ganhando pouco e os usuários reclamando da má qualidade do atendimento e demoras absurdas. O Estado cumpriu sua missão de atrapalhar a livre-iniciativa e reduzir a qualidade de um serviço aos níveis do mesmo serviço fornecido pelo próprio Estado.
Porém, com o afastamento de Dilma Rousseff, o novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, propôs a criação de um plano de saúde “mais popular”, com acesso a menos serviços do que a cobertura mínima obrigatória determinada pela ANS, mas também com menor custo ao consumidor.
“A ANS estabelece uma cobertura mínima para os planos de saúde. Isso implica também num custo de uma mensalidade do plano para essa cobertura estabelecida. O que estamos propondo é uma flexão para que possamos ter planos com acesso mais fácil à população e com cobertura proporcional a esse acesso. É ter outras faixas de plano de saúde para que mais pessoas possam contribuir com o financiamento da saúde no Brasil”, disse, após participar de uma audiência no Senado.
Ou seja, o que o Governo está chegando à conclusão que a eliminação dos planos baratos, feita pelo próprio Governo, levou a um problema ainda maior. O que está sendo proposto como uma novidade já existia E deixou desistir por culpa da a ANS.
Todas as entidades médicas estão se opondo a essa proposta. Isso é compreensível. Após 8 anos de governo tucano e mais 13 anos de governo petista a ideia de almoço grátis passou a fazer parte da mentalidade de todos os brasileiros. Essas entidades acreditam que o acesso à saúde tem que ser gratuito. Em caráter excepcional admitem os planos de saúde desde que sejam caros e atendam também situações que o SUS não atende.
A proposta do ministro é muito boa. Com planos de saúde baratos, a população de mais baixa renda teria facilidade de acesso atendimentos mais simples, descongestionando o SUS para aqueles que realmente não podem pagar. Os casos mais complexos seriam atendidos pelo SUS, o que não é nenhum problema pois hoje essa população já depende somente do SUS.
Só podemos torcer para que a capacidade de mobilização contra a proposta do ministro, por parte dessas entidades médicas seja tão ruim, nesse caso, como foi para impedir a implantação do programa Mais Médicos.