Num texto anterior, comentei sobre a estrutura da programação do canal GNT, visando uma conscientização coletiva baseada nas pautas progressistas, tão caras à Esquerda e ao politicamente correto.
Hoje, porém, gostaria de me dedicar ao outro lado da programação, ou seja, os programas voltados ao público feminino, particularmente os culinários. O canal GNT traz inúmeros programas culinários, com os mais variados temas. Porém dois deles já foram alvo de comentários extra-TV, por motivos aparentemente diferentes.
Bela Gil, 28 anos, filha do cantor e compositor Gilberto Gil, nasceu na Bahia, mas foi criada no Rio de Janeiro, de onde se mudou para Nova York, onde se especializou em culinária natural e nutrição. Ao voltar para o Brasil, em 2013, recebeu o convite para estrelar um programa de culinária natural, o “Bela cozinha” no GNT. As frequentes sugestões de substituições de alimentos por outros, mais naturais, rendeu um meme, que se tornou extremamente popular onde uma foto de Bela é acompanhada da frase “Você pode substituir X por Y”, com as mais hilariantes opções.
Rodrigo Hilbert, 36 anos, nasceu em Orleans, município do sul de Santa Catarina, de pouco mais de 20 mil habitantes. Quando jovem, trabalhou como ferreiro e pensou em estudar agronomia ou informática, mas optou por seguir a carreira de modelo e, posteriormente, ator. Desde 2012, Rodrigo comanda o programa “Tempero de família” no GNT. Recentemente, Rodrigo foi alvo de críticas ferozes por ter, durante um dos episódios de seu programa, matado um cordeiro diante das câmeras.
Nos últimos tempos, tenho assistido a ambos os programas e gostaria de fazer algumas comparações. Durante o programa de Bela, vemos receitas que até podem ser muito saudáveis, embora desde que li “A Mentira do Glúten” tenho certas restrições à essa demonização de alimentos e eleição de outros como super-nutritivos ou benéficos.
Mas ninguém honestamente poderá afirmar que são receitas para qualquer um. Ingredientes alternativos, geralmente custando bem mais caro do que aquele alimento que se pretende substituir. Quanto ao sabor, não posso avaliar, mas Bela geralmente convida para seu programa alguns amigos e familiares que geralmente concordam com os princípios de Bela. Mas alguns convidados não conseguiram disfarçar ao experimentar as receitas de Bela.
Outra coisa que me incomoda no programa de Bela é o nível de radicalização alimentar. Como se não bastasse se afirmar que certos vegetais substituem perfeitamente a carne, o que não é verdade, até mesmo alguns vegetais passaram a ser demonizados também. Agora, comer batatas também não é saudável e Bela sempre tem opções para substitui-las. Aparentemente, qualquer alimento cuja produção é abundante passa a ser considerado indesejado.
Agora, vamos ao programa de Rodrigo Hilbert. O programa geralmente é gravado na região da Serra do Rio do Rastro, no sul de Santa Catarina, região natal de Rodrigo. O programa começa com Rodrigo visitando algum pequeno produtor local, onde obtém os produtos que serão utilizados nas receitas, servidas posteriormente ao produtor e sua família. Rodrigo é ator, mas seria necessário lhe dar um Oscar se a naturalidade e intimidade com que ele lida com pessoas simples e pouco letradas fosse fruto de pura interpretação. Nota-se claramente que ele tem conhecimento daquela vida, que já foi a sua.
Quando Bela visita algum produtor, invariavelmente praticante da agricultura orgânica, as entrevistas soam extremamente artificiais, pois os “simples lavradores” falam como se fossem integrantes de alguma ONG multinacional. Não duvidaria que muitos desses agricultores fossem engenheiros, publicitários, etc que decidiram dar uma guinada na vida e passar a se dedicar à agricultura orgânica. Já os lavradores entrevistados por Rodrigo, apesar do fenótipo europeu, são pessoas extremamente simples e humildes. Eles sim representam o homem do campo, que por gerações planta e cria animais para o consumo próprio e para venda.
A extrema facilidade e rapidez com que Rodrigo faz suas receitas não deixa dúvidas de que ele realmente cozinha regularmente e há um bom tempo. E as receitas parecem muito apetitosas. Seus convidados não precisam fingir gostar do que comeram.
O incidente da morte do cordeiro se deveu a uma questão simples. Para Rodrigo, matar uma galinha, um novilho, um porco ou um cordeiro é uma coisa absolutamente normal. Faz parte do dia-a-dia daquelas famílias do interior brasileiro, das quais ele fez parte. Para uma pessoa urbana, nascida num apartamento de uma capital, isso está a anos-luz de distância. O carré de cordeiro que ela pede num restaurante fino, já nasceu assim: no prato e só o carré. Nunca teve olhos, nunca baliu. Bela Gil, que nasceu já quando o pai era um cantor famoso, nunca deve ter visto uma galinha ser morta.
Quem realmente representa a culinária simples do homem do nosso campo? Bela, com seus alimentos produzidos em pequenas quantidades, por agricultores que falam como um ativista ou Rodrigo, com sua culinária simples, utilizando alimentos produzidos por séculos pelas famílias do sul de Santa Catarina?
Antes de dar uma resposta, faça um teste. Imagine que Rodrigo fosse um ator mulato, nascido no interior da Bahia, que mostrasse receitas feitas com componentes recolhidos de produtores dessa região. E imagine que o sobrenome de Bela fosse Gilmann e que ela fosse loira e filha de um maestro inglês. Será que as avaliações de ambos os programas continuariam as mesmas? Será que não diriam que Bela era uma dondoca, filhinha de papai, que inventava receitas com ingredientes difíceis de se encontrar e mais caros, numa afronta à população que passa fome? E que o afrodescendente Rodrigo era a cara do Brasil, mesmo quando matou um bode para fazer uma buchada?
Ambos os programas merecem existir. Ambos têm o seu público cativo. Mas não é justo criticar Rodrigo por ter, na sua ingenuidade de homem nascido no campo, feito diante das câmeras aquilo que milhares de pessoas fazem todos os dias para se alimentar: matar um animal. E se não precisamos fazer isso, e não somos vegetarianos, é porque a civilização criou mecanismos para que a carne nos chegue sem essa necessidade, mas ela não pode ser ignorada.