Há alguns dias assisti a um filme bobinho, estilo Sessão da Tarde, chamado “Amor pela Moda” (Love by Design), contando a estória de uma moça, de origem romena, que trabalhava com moda em Nova York e foi demitida, voltando à pequena aldeia romena onde nasceu. Logo no segundo dia em casa, ao se oferecer para ajudar a mãe, esta manda que ela vá tirar leite das cabras. A moça, bem ao estilo dos nova-iorquinos, era vegana e vai fazer a tarefa com certa relutância. Mais adiante no filme, ela sai para jantar com um homem inglês que insiste que ela experimente o peixe que ele pediu e ela acaba por comer, se deliciar e deixa de ser vegana.
Sinceramente não sei se a autora do roteiro (que é a atriz principal) tinha essa intenção, mas não pude deixar de lembrar o que ouvi, há alguns anos, de um amigo filósofo. Ele defende a teoria de que esse crescimento dos movimentos vegano, vegetariano, de defesa dos direitos dos animais, etc é fruto de um afastamento do ser humano da Natureza, do seu passado mais simples.
No passado, um pai saía para caçar, pois a carne de caça era uma das poucas formas de aumentar a qualidade da alimentação de sua família. Quando chegava com coelhos, patos, perdizes e até ursos mortos, era motivo de festa na família. A mãe, de tempos em tempos, escolhia uma galinha velha, que não mais botava ovos como antes e, sem maiores conflitos morais, cortava a cabeça da galinha e fazia uma bela canja. As crianças conviviam naturalmente com a chegada de animais mortos pelo pai ou vendo sua mãe degolar uma galinha e isso não era traumático para elas.
Com o tempo, a migração das pessoas do campo para as cidades, mesmo menores, afastou a população desse tipo de atividade. O coelho agora vem congelado e sem a cabeça para que ninguém veja sua carinha e suas orelhas. As aves são arrumadas de forma a não mais parecerem algum dia terem vivido. O leite vem numa caixa quadrada onde dificilmente vemos a imagem de uma vaca, não sendo impossível que algumas crianças atuais possam achar que leite é um produto artificial.
Esse distanciamento acaba sendo um terreno fértil para que ideias de que qualquer tipo de exploração dos animais é ruim; que matar um animal, ainda que para comer, é um crime semelhante ao praticado pelos nazistas; que usar mel, ainda que seja uma produção que raramente mate as abelhas, é injusto porque o mel “pertence a elas” e chegando a absurdos como não utilizar a seda porque a sua produção mata as lagartas da Bombix, a mariposa do bicho-da-seda.
Essa última decisão reveste o veganismo de uma certa incoerência. A Bombix é criada pelo homem há milhares de anos. Isso levou o animal e perder qualquer instinto de modo que, hoje em dia, não existem mais Bombix na Natureza. O animal não sabe mais viver sozinho, já que por milhares de anos, o homem forneceu folhas de amoreira para sua alimentação sem nenhum esforço. Se a produção de seda acabar, a Bombix será extinta…
Em relação ao mel, a hipocrisia é ainda maior. Sugere-se substituir o mel pelo melaço de cana. Só que a cultura da cana de açúcar utiliza inseticidas que matam muito mais abelhas que qualquer produção de mel.
Além dos veganos, os defensores dos direitos dos animais chegam a se comover mais com um cão utilizado para testes de medicamentos do que com uma criança com câncer que poderia se beneficiar com esse medicamento testado. Assim foi que diversas pessoas aplaudiram a invasão e depredação do Instituto Royal, sob alegação que os animais eram usados para pesquisa de cosmético, falácia que foi desmentida até por alguns dos invasores que, ao ver o conteúdo dos pendrives roubados, constataram que as pesquisas envolviam medicamentos extremamente importantes.
Tudo isso culminou com dois eventos bem recentes. O primeiro foi um pouco mais traumático. O ator Rodrigo Hilbert, que comanda um programa na TV paga sobre culinária mais tradicional, visitou uma fazenda e matou um cordeiro diante das câmeras. Reconheço que não é uma visão agradável e até que o público deveria ter sido informado sobre o conteúdo do programa com antecedência. Mas, se o cordeiro tivesse aparecido já morto na bancada da cozinha, o público teria pensado que ele havia morrido de causas naturais?
Enquanto eu cresci vendo a empregada do meu avô cortando o pescoço de uma galinha enquanto aparava o sangue para, ou fazer um molho pardo ou fritá-lo como um bife (que eu adorava comer), sei que muitas pessoas, exclusivamente urbanas, nunca viram o animal que comem sendo morto. Hoje em dia vê-se mais facilmente pessoas sendo mortas na TV do que um porco, uma galinha ou uma vaca. Talvez por isso a morte de um animal choque mais do que a de um ser humano.
Mas essa indignação com a morte de animais está chegando a níveis histéricos. Muitas pessoas podem realmente condenar Rodrigo não tanto por matar um cordeiro (embora eu já tenha visto pessoas que até o compararam ao serial killer Dexter por isso), mas por mostrar em rede nacional. Mas e quando estamos diante da foto de um cheff de cozinha famoso com um leitão morto? As reações à até inocente foto do Cheff Henrique Fogaça mostram a que ponto chegamos. Uma das pessoas que intensamente o criticaram tinha, em sua foto de perfil do Facebook, uma defesa do aborto! Então a vida de um leitão importa, mas de uma criança que ainda não nasceu não?
Durante o último Carnaval, circulou pelas redes sociais uma “denúncia” de que uma escola de samba havia soltado um certo número de pombas, mas parte delas, confusas com o barulho, haviam caído e foram pisoteadas. Foi um erro estratégico? Sim. Mas as reações das pessoas a morte de POMBOS, um dos animais mais sujos e contaminados que existe, um verdadeiro rato com asas (embora bem mais bonito que o rato), mostram que os defensores dos animais estão perdendo os limites.
E até o uso de ratos em experiências científicas também já foi intensamente combatido como cruel e desnecessário. Quanto tempo irá demorar para você ser comparado a um assassino por pisar numa barata?
Voltando ao filme, a moça, ao deixar suas raízes rurais e se mudar para um grande centro urbano, famoso por modismos politicamente corretos, torna-se vegana. Mas ao voltar à sua aldeia, ordenhar uma cabra, ver os parentes comendo toda a sorte possível de alimentos feitos com animais, acaba cedendo a experimentar um peixe e ter o prazer que se privou todos aqueles anos.
Enquanto nossos meios de comunicação evitarem expor imagens de animais abatidos, mas mostrarem pessoas sendo assassinadas; enquanto um cão morto arrancar mais lágrimas das pessoas que milhares de crianças trucidadas na África por conflitos étnicos; enquanto for mais fácil assistir a uma entrevista com um defensor do aborto do que com um defensor da carne de porco, teremos um número cada vez maior de pessoas totalmente desconectadas da realidade e exigindo uma igualdade de direitos entre seu filho e um bezerro.