Muitos defendem a ideia de que é necessária a existência de um órgão governamental que fomente o desenvolvimento da cultura dentro de um país. No caso do Brasil, esse órgão era o Ministério da Cultura, que agora foi reduzido a uma secretaria do Ministério da Educação e Cultura.
Estranhamente, a maioria dos defensores dessa ideia são as mesmas pessoas (os esquerdistas) que, baseadas no relativismo cultural, defendem que a cultura indígena não é uma cultura inferior (e não estou, nesse texto, contestando essa afirmação). Pois bem, se a cultura indígena não foi fomentada por um órgão governamental para se desenvolver, e se para eles essa cultura não é inferior à nenhuma outra, porque então a existência desse órgão seria necessária?
Só vejo uma resposta para essa questão. Eles acreditam que os burocratas são detentores de uma cultura superior à do povo e, portanto, tem o dever de transmitir essa cultura aos cidadãos, para torná-los mais civilizados. Parece uma espécie ímpeto jesuítico muito parecido com aquele que a própria esquerda critica. Assim como os jesuítas doutrinavam os índios com a cultura cristã européia, no intuito de convertê-los de “selvagens” a humanos civilizados, também caberia ao Ministério da Cultura civilizar a nós, cidadãos selvagens.
A atuação do Estado, nesse sentido, consiste no patrocínio de artistas, promoção e patrocínio de projetos artísticos e eventos, fomento a programas de televisão e materiais de literatura, etc.
Os entusiastas da modelagem cultural estatal não enxergam o grande problema que há nisso. Quando o patrocínio de artistas e intelectuais fica a cargo do Estado, também fica a cargo deste a escolha sobre quais artistas, intelectuais e projetos devem ser patrocinados.
Um exemplo disso é a forma como ocorre a permissão para a concessão dos benefícios da Lei Rouanet:
“O proponente (neste caso, a Fundação Cultural de Curitiba) apresenta uma proposta cultural ao Ministério da Cultura (MinC) e, depois de aprovada a proposta, o proponente é autorizado a captar recursos junto a pessoas físicas pagadoras de Imposto de Renda (IR), que apresentam declaração completa, ou empresas tributadas com base no lucro real visando a execução do projeto.”
Será prudente confiar nas mãos de burocratas essas escolhas? Ludwig Von Mises, em seu livro “As Seis Lições“, fez uma brilhante explanação a respeito desse tema:
“Muitos pintores, poetas, escritores e compositores já se queixaram de que o público não reconhecia sua obra, o que os obrigava a permanecerem na pobreza. Não há dúvida de que o público pode ter julgado mal; mas, quando promulgam que ‘o governo deve subsidiar os grandes artistas, pintores e escritores’, esses artistas estão completamente errados. A quem deveria o governo confiar a tarefa de decidir se determinado estreante é ou não, de fato, um grande pintor? Teria de se valer da apreciação dos críticos e dos professores de história da arte, que, sempre voltados para o passado, até hoje deram raras mostras de talento no que tange à descoberta de novos gênios. Essa é a grande diferença entre um sistema
de ‘planejamento’ e um sistema em que é dado a cada um planejar e agir por conta própria.
É verdade, obviamente, que grandes pintores e grandes escrito-
res suportaram, muitas vezes, situações de extrema penúria. Podem ter tido êxito em sua arte, mas nem sempre em ganhar dinheiro. Van Gogh foi por certo um grande pintor. Teve de sofrer agruras insuportáveis e acabou por se suicidar, aos 37 anos de idade. Em toda a sua existência, vendeu apenas uma tela, comprada por um primo. Afora essa única venda, viveu do dinheiro do irmão, que, apesar de não ser artista nem pintor, compreendia as necessidades de um pintor. Hoje, não se compra um Van Gogh por menos de cem ou duzentos mil dólares.
No sistema socialista, o destino de Van Gogh poderia ter sido
diverso. Algum funcionário do governo teria perguntado a alguns pintores famosos (a quem Van Gogh seguramente nem sequer teria considerado artistas) se aquele jovem, um tanto louco, ou completamente louco, era de fato um pintor que valesse a pena subsidiar. E com toda certeza eles teriam respondido: ‘Não, não é um pintor; não é um artista; não passa de uma criatura que desperdiça tinta’, e o teriam enviado a trabalhar numa indústria de laticínios, ou para um hospício. Todo esse entusiasmo pelo socialismo manifestado pelas novas gerações de pintores, poetas, músicos, jornalistas, atores, baseia-se, portanto, numa ilusão.
Refiro-me a isso porque esses grupos estão entre os mais fanáticos defensores da concepção socialista.”
E o problema não se restringe apenas ao fato de se perder talentos devido a uma seleção inadequada, como apontado por Mises. Há um problema ainda maior. Quando essa seleção fica a cargo de burocratas do governo, há uma grande chance de que este coloque filtros ideológicos nessa seleção intencionalmente, para promover ideologias de interesse do partido que estiver no poder.
Esses órgãos burocráticos acabam sendo utilizados para se construir uma elite intelectual e artística de amigos do rei, que usam seu poder de formação de opinião para produzir um consenso governista. Isso é observado claramente, na elite artística governista que defende o Partido dos Trabalhadores com unhas e dentes.
E é por isso que a redução do MinC ao status de secretaria provocou chiliques em uma série de artistas e intelectuais governistas. Porque essa “elite intelectual” forjada artificialmente está prestes a perder as tetas de onde mama. E isso porque ele nem foi extinto, mas apenas reduzido ao status de secretaria. Imagine se tivesse sido extinto…
Felizmente, alguns artistas se pronunciaram a favor da medida, mostrando que há uma parte da classe artística que não se vende.
O ator Sandro Rocha, que interpretou o papel do Major Rocha (policial corrupto) no filme “Tropa de Elite”, postou em seu perfil do Facebook a seguinte declaração:
“Sobre o fim do Ministério da Cultura, como artista posso falar : já foi tarde !! Só serviu para contribuir com inúmeras MAMATAS de 6 ou 7 !! Para se conseguir aprovar um projeto ou se conhece alguém ou tem que pagar PROPINA !! Eu mesmo desisti várias vezes !! Uma ilusão !! Uma farsa !! Não vai fazer falta e vai ajudar a economizar para o BRASIL !! Quem está gritando é quem comia desta fonte !! ACABOU !! Quer ganhar dinheiro ? VAI TRABALHAR VAGABUNDO !!”
Outro a apoiar a medida foi o ator Alexandre Frota, que criticou os artistas defensores da permanência do MinC em um vídeo publicado no Youtube. De acordo com Frota, na situação caótica em que o orçamento público se encontra, situação que obriga governo a escolher onde cortar, a manutenção dos gastos em hospitais, escolas, segurança pública e outros serviços públicos essenciais são prioridade em relação ao patrocínio estatal a artistas.
“Hospitais apodrecendo, crianças sem escola e vocês querem saber de dinheiro da Lei Rouanet?”, disse o ator.
Frota ainda chama atenção para os casos de corrupção do governo petista.
Vale a pena citar, que o MinC já foi alvo de críticas contundentes de outros artistas anteriormente, como por exemplo Fernanda Montenegro, em entrevista ao site “Glamurama“, no ano passado:
“Estatizaram o teatro, compreende? Nos Estados Unidos, é capitalismo, espetáculo tem acionista. Não tem governo que protege e manda cobrar baratinho. Hoje, no Brasil, mesmo que você lote a casa sempre, o espetáculo não se paga. O aluguel de um teatro custa de R$ 6 mil a R$ 20 mil por noite. A verdade é que a parte cultural não mora nas leis.”
Infelizmente, os resquícios do MinC ainda permanecerão na forma de secretaria e o governo ainda não fala em revogar a Lei Rouanet. Ainda estamos longe de nos vermos livres da modelagem cultutral estatal, até porque esta não ocorre apenas através do MinC, mas também por diversos outros meios. Mas essa redução do status de ministério a secretaria já representa um bom avanço.