Algumas reflexões sobre a cura gay

Antes de mais nada, preciso deixar claro que esse texto não pretende defender ou atacar nenhuma posição, mas ser uma reflexão sobre conhecimentos e posicionamentos a respeito da sexualidade humana.

Há alguns anos, a imprensa brasileira divulgou com grande alarde e satisfação explícita duas decisões do CFP, Conselho Federal de Psicologia. A primeira decisão, aparentemente menos polêmica, proibia sob pena de cassação do registro que um psicólogo fizesse qualquer tentativa de mudar o direcionamento sexual de seu paciente, o que foi chamado de “cura gay”. A segunda, um pouco mais polêmica, proibia qualquer psicólogo de emitir opiniões contrárias à homossexualidade, independente de suas posições religiosas, ideológicas, etc. Essa última decisão não encontra paralelo em nenhum outro país ou nenhuma outra área. No Direito, não é raro que dois juristas tenham posições contrárias em relação a algo. Na Medicina, defensores e críticos da Homeopatia, das vacinas, da Medicina Ortomolecular convivem lado a lado. Porém, nenhum psicólogo pode afirmar que, na sua opinião pessoal, não concorda com o comportamento de um homossexual. Embora isso tenha sido comemorado como um avanço da tolerância, a limitação da liberdade individual até de expressar sua opinião é clara.

Porém, não será sobre essa segunda decisão que iremos falar, mas da primeira. A proibição de que um psicólogo tente reverter o direcionamento sexual de um paciente, mesmo que a pedido deste paciente, é realmente um avanço? A Psicologia se baseia em dados científicos para isso? Vamos voltar no tempo um pouco.

Para muitos conservadores, Alfred Kinsey era um depravado que tentou transferir sua depravação para o restante da sociedade. Mas não são os conservadores que proibiram a “cura gay”. Foram os progressistas, particularmente aqueles que atuam na área da Psicologia. E o que pensam eles sobre Kinsey? O reconhecem e admiram. Portanto, vamos analisar as descobertas de Kinsey sobre a sexualidade masculina, em seu livro “Sexual Behavior in Human Male”, para descobrir se essa proibição está correta.

Kinsey era um taxonomista que estudava vespas na Universidade de Indiana, EUA. O que faz um taxonomista? Ele analisa pequenas diferenças num ser vivo, no caso a vespa, procurando saber se ela deve ser classificada como de uma certa espécie ou deve-se criar outra espécie para abrigá-la. Ou seja, é uma pessoa com uma paciência de Jó, associada a uma capacidade de definir se algo pertence ou não a um grupo.

Kinsey levou esse comportamento obsessivo para seus estudos de sexualidade masculina e, após muita análise e milhares de entrevistas, elaborou a Escala Kinsey de orientações sexuais masculinas (mais tarde ele estudaria as femininas e chegaria à conclusão que eram ainda mais complexas) com seis tipos definidos:

ESCALA KINSEY
0 – Heterossexual exclusivo
1 – Heterossexual ocasionalmente homossexual
2 – Heterossexual mais do que ocasionalmente homossexual
3 – Bissexual (igualmente hetero e homossexual)
4 – Homossexual mais que ocasionalmente Heterossexual
5 – Homossexual ocasionalmente Heterossexual
6 – Exclusivamente Homossexual

Posteriormente, Kinsey acrescentou mais uma categoria, com a letra X, para os homens assexuados, que não tinham atração por nenhum sexo.

Se nesse ponto você está falando “Ah, mas eu não concordo com isso!”, não importa. O que importa é o que a Psicologia concorda. E a Psicologia oficial reconhece os estudos de Kinsey, os valoriza e os aceita. Então vamos prosseguir. Memorize a tabela acima, pois utilizarei os números para agilizar o texto.

Obviamente que, qualquer tentativa de reverter as preferências sexuais de um homem classificado como 6 (homossexual exclusivo) será tão infrutífera quanto tentar convencer um homem no nível zero a ter relações com outro homem. Mas entre esses dois pólos, temos uma região de penumbra, onde homens têm uma certa preferência, mas têm relações com pessoas que não são dessa preferência. Isso explica certos namorinhos de adolescência entre rapazes que, posteriormente prosseguem sua vida como heterossexuais, explica casos de internatos, prisões, navios, guerras, etc onde um homem que, até então nunca havia tido relacionamentos com outros homens, passa a ter por um período determinado de tempo, um relacionamento fora dos seus padrões.

Dentro desse modo de pensar, é um erro gravíssimo que estimulemos que um adolescente, só porque se sente atraído por outro, ou mesmo chegue a ter um relacionamento com ele, “saia do armário” e já se assuma como homossexual. Isso pode não ser a verdade. Mas não é o que temos visto ultimamente. A sociedade e a mídia têm visto a sexualidade masculina como um quadro binário: Você é gay ou hetero. Até a bissexualidade tem sido atacada como uma “homossexualidade reprimida”.

Aqui faremos uma pausa para falar de dois personagens históricos que parecem comprovar o que Kinsey definiu. Verlaine era um poeta já famoso, casado, pai de uma filha, quando conheceu o adolescente Rimbaud, também poeta. Os dois tiveram um tórrido relacionamento, que destruiu o casamento de Verlaine, até que, após uma briga por ciúmes, Verlaine atirou na perna de Rimbaud, o que levou à amputação da mesma. Nunca mais se falaram. Rimbaud mudou-se para o norte da África onde viveu em situação marital com uma mulher nativa da região até sua morte. Verlaine não voltou para sua esposa…

Como explicar um homem que vivia como heterossexual até uma idade razoável ter um relacionamento com outro homem? E como explicar um homem, que teve um relacionamento com outro homem, passar o resto da vida com uma mulher? Aparentemente, mesmo que a escala de Kinsey não seja perfeita, existe algo de nebuloso entre o hetero estrito e o gay estrito…

É lícito pensar que, da mesma forma como um hetero exclusivo não tem qualquer conflito por ser heterossexual, o homossexual exclusivo talvez nem tenha nenhum conflito. Ainda mais numa sociedade onde os gays são, a cada dia, mais aceitos e até valorizados. Mas e aqueles homens que estão ali no meio? Intuitivamente penso que o bissexual verdadeiro, aquele que não distingue sexo para seu interesse, talvez não tenha conflito também. Mas e os homens nos níveis 1, 2, 4 e 5? Estamos falando de homens que possuem uma preferência, mas têm relações com maior ou menor frequência com o sexo oposto à sua preferência. Alguém consegue acreditar que não exista conflito emocional nesses homens? Ainda mais quando eles vivem numa sociedade onde, se você tiver relações com homem uma única vez, já te dizem que você é gay. Quantos homens estariam nesses níveis e estariam se “forçando” a se assumir gays (nível 6, portanto) quando não o são?

Não há dúvidas de que esses homens devem sofrer. Sofrer psicologicamente. É de lá que vêm os verdadeiros homofóbicos (entendendo-se homofobia como aversão patológica e irracional de gays por medo de se “contaminar”, não essa falsa homofobia que é somente discordância da opinião alheia). Quem deveria ajudar quem sofre psicologicamente? A Psicologia. Porém, os psicólogos foram proibidos de ajudar esses pacientes!

Imaginem um homem no nível 1. Ele sempre foi hetero. Estava satisfeito assim. Um dia, teve um relacionamento com outro homem e entrou numa espiral de dúvida e culpa. Será que viveu uma mentira a vida toda? Existem filmes e novelas de TV que mostram isso. Homens que “não viviam plenamente” porque “não se assumiam”. Ele deve ir na Parada Gay? Deve começar a falar “aloka”, “arrazou, mona!” e outros jargões criados pela cultura gay? Mas ele não se “sente” gay!! Ele não sente que viveu uma mentira nem quando estava com mulheres, nem agora com um homem. Não precisa ser um gênio para imaginar que esse homem irá ficar numa dúvida tremenda, particularmente quando esse último relacionamento acabar. Ele deve agora voltar a procurar mulheres ou somente homens? Mas o pior é que ele não QUER ser gay. Ele estava satisfeito com sua vida heterossexual anterior. Então ele procura um psicólogo.

O que caberia ao psicólogo fazer? Tranquilizar o paciente. Deixar claro para ele que ter tido uma ou até algumas experiências homossexuais não o impedem de ter preferência pelo sexo oposto. E definir com o paciente se ele quer prosseguir nessas experiências homossexuais ou se quer tentar reforçar sua heterossexualidade. Digo “tentar” porque nunca sabemos realmente em qual daqueles níveis a pessoa está.

Orientar esse homem e tentar que ele reforce sua heterossexualidade, que é predominante, seria uma função da Psicologia, mas o CFP definiu que não. Que reforçar a heterossexualidade de alguém é contra as normas, embora se um gay no nível 5 aparecer em conflito por ter tido relações com uma mulher, o psicólogo pode reforçar a homossexualidade dele e apontar que foi só uma fuga (o que, segundo Kinsey, não é verdade). Isso não será passível de punição.

O curioso de tudo isso é que, os mesmos profissionais que aplaudem o relatório de Kinsey, o ignoram totalmente para utilizar uma visão dicotômica para dividir as pessoas em gays e heteros e proibir psicólogos de atuar nos casos intermediários.
Esse assunto é extremamente complexo e mereceria maiores esclarecimentos, porém vamos parar por aqui. Que esse texto nos leve a refletir se estamos no caminho correto ao defender uma punição para profissionais que só estão tentando ajudar seus pacientes, a pedido deles mesmos. Não estamos defendendo que pais levem seus filhos para o psicólogo para que ele “vire homem”, até porque se ele estiver no nível 6, isso será impossível. Mas se for o próprio paciente que solicita essa ajuda, por que não ajudá-lo? Fica aqui a pergunta.

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