Não vamos entrar no mérito se o sistema de previdência pública em vigor no Brasil é justo ou não. É o que temos. E nem temos opção. Temos a “contribuição” do INSS descontada quer queiramos ou não.
Então, se é para ter, que funcione! Mas não é o que vemos…
Durante o governo FHC, o Ministério da Previdência, vendo que existia uma fila muito grande de segurados precisando passar em perícia médica, criou um novo tipo de sistema, o médico perito credenciado. Médicos não contratados pelo INSS faziam um treinamento e passavam a fazer perícias em seus consultórios. Como a perícia é feita no site da Previdência, podia-se fazer em qualquer lugar. Esses médicos recebiam, por perícia feita, 20 reais. Como não eram empregados do governo, economizava-se encargos e despesas diversas, inclusive luz, computadores, que eram todos custeados pelo médico credenciado.
O brasileiro falta na sua consulta com o cardiologista, com o neurologista, com o psiquiatra, se possível falta até no parto, mas não falta a sua perícia do INSS, pois isso leva a suspensão do pagamento do seu benefício. Com isso, os médicos peritos credenciados tinham um bom volume de pacientes, todos rendendo um valor que era semelhante, na época, a uma consulta de convênio. Não demorou para que muitos médicos se dedicassem exclusivamente a isso, muito mais tranquilo do que lidar com faltas e retornos não pagos dos convênios.
Como recebiam por produção, esses médicos não recusavam trabalho. Se um médico perito contratado faltava, a administração entrava em contato com algum perito credenciado e encaixava essas perícias na sua agenda.
Mas, no Brasil, o problema não é que se ganha pouco, mas que alguém esteja ganhando muito. E os médicos peritos contratados começaram a se incomodar com a presença dos credenciados. Um médico contratado atendia 12 perícias por dia (4 horas de trabalho) enquanto muitos credenciados chegavam a atender 40 perícias, trabalhando o dia todo. Enquanto o funcionário público atendia uma perícia a cada 20 minutos, muitos credenciados atendiam a cada 15 ou até 10 minutos.
Obviamente que os valores obtidos pelos peritos credenciados era muito superior ao salário do perito contratado. E isso era considerado indecente para eles. Outra coisa que incomodava esses peritos era o fato de que os credenciados não faziam greve (até porque não tinham a estabilidade e as regalias de fazer greve e continuar recebendo que os contratados tinham) e ainda atendiam os segurados que, de outra forma, seriam dispensados e perderiam sua perícia. Isso enfraquecia seus movimentos reivindicatórios.
Foi então que, no governo Lula, o Ministério Público, na figura do procurador Luiz Francisco de Souza, intimou a Previdência a encerrar os contratos de credenciamento, sob alegação de que um concurso deveria ser feito para contratação de novos peritos. Os peritos contratados haviam conquistado um aliado forte e que, sob as mais diversas alegações, considerava irregular a existência da perícia credenciada.
Agora, passados 10 anos, vemos uma greve de médicos peritos do INSS já durar 3 meses e prejudicar milhares de pessoas que, ou não conseguem o benefício ou tem seu benefício cessado por falta de perícia. Isso nunca ocorreria se ainda existissem os credenciados. Aliás, nunca que uma greve de peritos duraria tanto se ainda houvesse uma alternativa para as perícias.
Mas, quem realmente sai lucrando com essa greve? O próprio governo que deixa de pagar milhares de benefícios. E não é de se espantar ao sabermos que o procurador Luiz Francisco, era filiado ao PT até pouco antes de sua nomeação como procurador. Posteriormente, lançou um livro em que chama o Socialismo de “utopia cristã”. Ou seja, sua atuação preparou o terreno para que greves prolongadas pudessem ser utilizadas como forma de economia de despesas para o governo petista.
Não podemos dizer que tudo tenha sido feito de caso pensado, mas não deixa de ser uma feliz coincidência um promotor que era extremamente atuante no governo FHC e que passou a ter uma atuação discreta nos governos petistas, tenha se empenhado tanto em eliminar uma modalidade de perícia médica que era vantajosa para os segurados e, na teoria, para o Governo, mas não para o funcionalismo público. Agora, três meses depois do início da greve, milhares de segurados estão a ver navios e o Governo federal não se empenha em encerrar a greve, já que representa uma economia para os cofres da Previdência.
Para os mais jovens, que não viveram a época onde esse procurador aparecia diariamente na TV, um resumo de sua atuação:
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/luiz-francisco-fernandes-de-souza/