Logo após o anúncio do ministério do Governo Temer, uma grita geral se iniciou, pelo desaparecimento do MinC (Ministério da Cultura), que foi reintegrado novamente ao Ministério da Educação e Cultura (MEC). O curioso de tudo isso é que o Brasil sobreviveu por décadas sem esse ministério, inclusive com uma produção cultural que era superior à atual. Apesar de muitos terem comemorado essa mudança como sendo o fim da Lei Rouanet, está não foi extinta, assim como toda a estrutura do antigo MinC, que se manteve como Secretaria subordinada ao MEC.
Porém esse rebaixamento do MinC a uma Secretaria poderia significar uma tendência do novo Governo de não ser tão liberal com o dinheiro público em questões relativas à cultura. E esse parece ter sido o motivo da revolta no meio artístico.
Para quem não sabe como funciona a Lei Rouanet (e muitos artistas também não sabem), o funcionamento é relativamente simples. Um artista apresenta um projeto ao MinC, se aprovado, o orçamento pode ser total ou parcialmente liberado. De posse dessa liberação, o artista procura empresas dispostas a ceder aquele valor (ou várias dispostas a dividir o valor entre elas) do montante de IMPOSTOS que a empresa iria pagar ao Governo. Então, veja que não se trata de um mau negócio para a empresa, que já iria perder esse valor, mas que agora pode ser usado como propaganda já que seu nome aparecerá nos anúncios do projeto em questão. É um ótimo negócio para o artista, que consegue quem pague por suas despesas e passa a obter toda a renda do projeto como lucro. Só é um péssimo negócio para um lado: o contribuinte brasileiro.
Sim! Porque esse dinheiro que vai para os projetos culturais iria, caso não houvesse a Lei Rouanet, para os cofres públicos. Quando o país está indo muito bem economicamente, até faria sentido abrir mão de parte de sua arrecadação para incentivar artistas em início de carreira. No entanto, a Lei Rouanet se transformou num imenso ralo drenando o dinheiro para artistas como Cláudia Leitte, Luan Santana, Marieta Severo, Chico Buarque, etc. São artistas que já têm um sucesso imenso e garantido e não necessitariam de nenhuma ajuda. Sem contar que essa “facilidade” para se obter verba inflacionou o mercado. Para gravar um clipe, Luan Santana não se contentou em filmar em São Luís, no Maranhão ou em Santos, São Paulo, cidades com prédios antigos. Foi com uma equipe para Havana, Cuba, filmar lá. O custo? R$ 4 milhões. Imagine quantas vacinas contra gripe seriam possíveis de serem compradas com esse valor?
Isso sem contar que, devido à lei, as empresas pararam de investir em atividades culturais com verba de marketing. Elas preferem usar o dinheiro dos impostos do que gastar mais com isso.
Porém, já há um ano e meio, ficou claro que o país está numa crise financeira imensa. Cortes em diversos programas sociais já foram feitos, inclusive Bolsa-Família, Fies, Minha Casa Minha Vida, entre outros. A retração da economia levou milhões de brasileiros ao desemprego. Numa hora como essa, o Governo não pode abrir mão de nenhuma arrecadação. Inclusive o Governo Dilma insistia na necessidade de se aprovar o CPMF, coisa que o atual governo não deseja, mas não descarta em último caso.
Com todos tendo que contribuir com sua cota de sacrifícios, eis que surge a classe artística furiosa com a possibilidade (nem confirmada ainda) de ter suas verbas cortadas ou reduzidas. Não deixa de ser de uma insensibilidade tremenda. Os artistas, que costumam se dizer porta-vozes do povo, querendo que esse povo continue sofrendo com cortes de verbas no SUS, na educação e nos programas sociais, desde que possam gastar milhões numa turnê onde o preço do ingresso é altíssimo.
Está mais do que na hora de se revisar essa lei. Aqui faço minha parte sugerindo algumas mudanças.
– A lei não se aplica a nenhum artista cuja carreira já seja economicamente sustentável
– O artista poderá ser beneficiado pela lei uma única vez, como estímulo à sua carreira. Alternativamente, essa regra poderia ser mudada para cada dois anos.
– existirá um limite de valor arrecadado para cada tipo de projeto. Nada de orçamento de filme para um clipe, ou fortunas para se gravar um DVD. Se o artista quer um projeto luxuoso, que arrecade de outra forma.
– Para evitar desvios ideológicos, a aprovação dos projetos será feita por uma comissão eleita pelo voto popular.
– Existirá um limite para os valores liberados. Ou seja, no começo do ano o Governo já saberá o máximo que irá deixar de arrecadar.
Acredito que esse seja o começo, embora o ideal seria vivermos numa sociedade onde o Governo não patrocinasse atividades culturais, pois as empresas já fariam isso com finalidades de marketing.
É importante que a sociedade faça esses artistas enxergarem que essa choradeira pela falta de apoio às atividades culturais, em meio a essa crise sem precedentes, não os coloca do lado do povo, mas como uma casta de elite, revoltada com a perda de seus privilégios.