Ontem iniciamos uma análise da notícia da Folha de S. Paulo com o título “Nos consultórios, 1/4 dos médicos do país não aceita planos de saúde”, cujo link está no final desse texto. Hoje iremos dar seguimento a essa análise.
Após afirmar, já vimos que erroneamente, que o “valor médio” da consulta paga pelos convênios era de 60 reais, a jornalista informa que as entidades médicas defendem um valor de R$ 130,00 e que o preço de uma consulta particular em São Paulo, varia entre R$ 200,00 e R$ 1.500,00.
Para o leitor desavisado pode achar absurdo esse reajuste de mais de 100% defendido pelas entidades, se não souber que, após a implantação do Real, os médicos ficaram mais de 10 anos com o valor da consulta congelado em R$ 25,00. Apesar da inflação baixa, ela não era inexistente e o tempo corroeu o valor da consulta. Os reajustes só ocorreram, e com muita dificuldade, após paralizações do atendimento de convênios por um dia. Esse valor acabou chegando a R$ 40,00 e, recentemente, para alguns convênios, foi reajustado para R$ 60,00.
Curiosamente, nesse mesmo período, os valores de mensalidade dos convênios foram reajustados frequentemente, sem que a ANS (Agenda que regula a saúde suplementar) sequer vinculasse esse reajuste a um aumento do valor dos serviços pagos. Pior é saber que muitos usuários, ao receber o aviso de um aumento, culpavam os “médicos mercenários” pelo aumento.
Embora eu, particularmente, sempre tenha sido contra a prática citada na reportagem, de dar preferência às consultas particulares, não posso criticar meus colegas que o fazem porque não estou na pele deles, não sei as contas que têm que pagar. Mas realmente é tão criticável assim alguém preferir uma única consulta que pague o valor de 10 consultas de convênio? Você, honestamente, afirmaria que trocaria um cliente que pague R$ 600,00 por outro que pagará R$ 60,00 cerca de 45 dias depois?
Voltando à matéria, a jornalista cita uma advogada que afirma, como se isso fosse algo absurdo, que “muitos médicos só aceitam usuários de planos quando estão no início da carreira ou até conseguir uma boa carteira de clientes. Depois, passam a atender só no particular”.
O que tem de errado nisso? A própria matéria já citou valores e vemos que uma consulta particular pode custar de 4 a 20 vezes o valor pago pelo convênio. Só um idiota preferiria atender centenas de pacientes por semana, rapidamente e sem dar atenção, para conseguir tirar uma renda aceitável ao invés de atender um paciente por hora, dando uma atenção adequada e ainda obter uma renda até maior.
Por acaso estão sugerindo que William Bonner seja obrigado a fazer reportagem de campo no alto de alguma comunidade perigosa? Ou que um engenheiro, depois de 20 anos de formado, tenha que aceitar fazer projeto de uma edícula? E essa mesma advogada? Será que cobra os mesmos valores de honorários que cobrava quando começou sua carreira?
Curiosamente, a única profissão que parece não ter direito a uma carreira ascendente é a Medicina. Após 20 anos de prática médica, o profissional seria obrigado a trabalhar por valor baixíssimo, mesmo que pacientes particulares estivessem batendo à sua porta.
Uma outra advogada, esquecendo que vivemos ainda numa democracia, comenta indignada que “os médicos cobram o que querem pelas consultas. É um abuso. E o consumidor não tem coragem de negociar, se sente refém da situação”.
Desse comentário concluímos duas coisas: que os médicos estão saindo às ruas, de armas em punho, e obrigando seus pacientes a entrarem nos seus consultórios. Por isso os pacientes, que poderiam procurar o serviço público ou pagarem um convênio, se sentem “reféns” dos médicos particulares. Outra coisa é que essa advogada deve achar correto entrar num bom restaurante e pagar 200 reais por um prato que teve um custo de 20 reais; mas acha que os médicos brasileiros devem ter seus valores de consulta tabelados, numa falta de liberdade econômica que acabaria espantando os médicos dos consultórios para serviços auxiliares como exames.
A verdade é que os pacientes negociam sim com seus médicos. Pedindo descontos, retornos gratuitos fora do prazo, etc. Qualquer médico que tivesse sido consultado teria dito isso.
O coordenador da pesquisa, Scheffer, afirma que “foi retomada uma coisa que a gente achou que estava em declínio: o médico ‘liberalzão’, que atende quem quer, quando quer e cobra quanto quer”. Nessa afirmação fica claro o quanto incomoda a essas pessoas que um médico não seja dependente de emprego público ou de pagamentos aviltantes dos convênios.
O parágrafo final chega a ser cômico, onde se lê que o “pior dos mundos” é aquele onde as pessoas cada vez mais têm que colocar dinheiro do próprio bolso para a saúde.
A ideia fantasiosa de que as pessoas não deveriam pagar por sua saúde permitiu ao Estado cobrar altíssimos impostos com o pretexto de “saúde universal”. Como consequência, o Estado dá um péssimo atendimento de saúde para uma população que, se não pagasse tantos impostos, talvez poderia pagar suas consultas e exames.