Rocketman, a cinebiografia de Elton John
Filme é um registro não só da vida do artista, mas de uma época, com seus excessos e Filme é um registro não só da vida do artista, mas de uma época, com seus excessos e loucuras
Minha admiração por Sir Elton John veio de forma gradual, quase inconsciente. Aos 11 anos, ouvi Crododile Rock num LP de trilha sonora da novela “Uma rosa com amor”. Pouco depois, vi na TV um clipe de Goodbye Yellow Brick Road e me surpreendi com o visual extravagante do cantor: óculos cravejados de pedras, sapatos imensos, roupas chamativas. Tudo isso enquanto tocava o piano e cantava uma música tão pungente quanto aquela. Isso marca quem assiste.
Ao longo dos anos, me acostumei a sempre ter alguma canção de Elton John nas paradas. Era quase uma exigência da Natureza. Ninguém nem mais estranhava isso. Não me recordo ao certo quando fiquei sabendo que Elton era homossexual, mas aquela informação não caiu como uma bomba. Era esperado até que alguém com aquelas roupas fosse gay. Ou seria esperado de alguém com aquele nível de sensibilidade? Não sei ao certo.
Já após a virada do milênio, comprei um CD duplo com The Best of Elton John. Essas coletâneas costumam ter algumas músicas boas e outras só para preencher o disco. Foi aí que pude constatar o grau de importância de Elton para a música no final do século XX, pois TODAS as músicas nos dois CDs eram simplesmente extraordinárias e marcaram época. E isso porque a coletânea foi lançada antes dos temas de desenhos da Disney, que iniciaram uma nova fase na carreira do cantor.
Foi a partir daí que me dei conta que eu era um grande fã de Elton John e nem sabia disso. Por isso, foi com grande interesse que vi o anúncio do lançamento de “Rocketman”, a biografia de Sir Elton.
É extremamente arriscado lançar uma biografia de pessoa viva, ainda mais quando a vida da pessoa é tão cheia de problemas como a de Elton. Você corre o risco de ficar ou com um panfleto de propaganda ou com uma sucessão de escândalos visando atrair o público. Porém, Sir Elton a assistiu e aprovou, declarando que os lances mais pesados – como o uso abusivo de álcool e drogas ou sua tentativa de suicídio – eram absolutamente corretos.
A minha maior surpresa foi descobrir que o filme é um musical. Calma! É óbvio que um filme sobre um cantor e compositor terá música. O que eu não sabia (até porque o trailer não revela) é que o filme tem números musicais, ou seja, os personagens cantam e dançam em certas passagens. Algo como “Mamma Mia”, só que com uma história real.
A ideia foi genial. Colocar as letras profundas de Bernie Taupin como sendo explicações, comentários ou solilóquios de Elton ao longo da vida, desde a infância até a vida adulta. Algumas pessoas parecem não ter compreendido isso e estão criticando, por exemplo, por “Saturday Night’s Alright For Fighting”, que é de 1973 ter sido mostrada quando Elton – ainda se chamando Reginald Dwight – tinha 11 anos e tocava em um bar. Isso é um exercício de liberdade poética para mostrar onde tanto Elton quanto Bernie buscavam suas inspirações.
O filme tem cenas que parecem fantasiosas e são reais e outras que parecem reais e são fantasias. Por exemplo, a cena que mostra Elton saindo de uma tentativa frustrada de suicídio para o show no Dodgers Stadium, em 1975, um dos seus shows mais importantes da carreira é absolutamente verdadeira. Elton fez esse show apenas alguns dias após a tentativa de suicídio. Já a cena que mostra sua escolha do segundo nome ao ver a foto de John Lennon é totalmente falsa. Dwyane escolheu seu nome artístico de dois integrantes da banda Bluesology onde tocava: Elton de um, Elton Dean, e John de outro, Long John Baldry que aparentemente foi quem o ajudou a se descobrir como homossexual, na sua noite de despedida de solteiro (o que fez Elton desistir do casamento) embora o filme omita tanto o relacionamento dom Baldry como esse quase casamento.
Aparentemente, esse relacionamento foi omitido para dar a impressão de que o empresário John Reid teria sido o primeiro a “seduzir” o jovem Elton, já que os roteristas parecem ter eleito Reid como sendo o vilão da história. Para isso, escolheram um ator – Richard Madden – bem mais bonito que o Reid original (que era um nanico com cara de Zé Gotinha) e também modificaram a influência dele sobre a carreira de Elton. Reid foi quem apresentou Bernie Taupin a Elton (no filme, ele já o conhece quando a dupla foi formada) e foi quem incentivou Elton a criar o personagem de palco que o tornaria único. No filme, essa decisão ficou somente para o próprio Elton. Com isso, o Reid do filme mais parece um gigolô se aproveitando do imenso talento de Elton e não uma peça importantíssima para o sucesso do artista.
Outra omissão estranha foi a cirurgia de retirada de pólipos nas cordas vocais, que mudaria para sempre o timbre de sua voz.
Para “comprovar” alguns detalhes do filme, a direção incluiu nos créditos finais fotos comparativas entre roupas mostradas no filme e seu equivalente verdadeiro, inclusive a roupa de Rainha Elizabeth I que Elton usou em um show. Impressionante ver a semelhança entre Reginald Dwight criança com o ator-mirim que o interpreta.
Os roteiristas “comprimiram” a ação em um período relativamente curto (embora cheio de eventos) da vida de Elton. Assim, alguns eventos ocorridos na década de 80 são mostrados como sendo na década de 70 e outros da década de 90 mostrados como se fossem na década de 80. Nada grave ou que distorça a biografia.
Muito importante mostrar a luta de Elton para se livrar dos vícios (eram tantos!) e a informação final de que ele já está há 25 anos sóbrio. Inclusive Elton participou da Convenção Internacional dos Narcóticos Anônimos, ano passado em Orlando. Em um filme sobre um astro, que será assistido por muitos jovens, é importante não ser um fator de má influência, mas de alento e exemplo de superação. Ao contrário de tantos artistas seus contemporâneos, Elton não se matou de overdose ou teve sua carreira interrompida por seus excessos. O vício entrou e saiu da sua vida como uma doença, que alguém contrai, sofre e se cura.
A caracterização do ator galês Taron Egerton como Elton John é uma coisa impressionante. Em alguns momentos chegamos a esquecer que não é o próprio Elton que está ali. A ambientação das décadas de 70 e 80 é bem fiel, com destaque para as roupas coloridas e com formas bizarras. A liberdade de costumes da época também são representados, como na festa na casa de Mama Cass (do grupo The Mamas and the Papas), onde literalmente rolava de tudo.
Os números musicais são muito bem feitos e coreografados, assumindo uma beleza plástica impressionante. Nesse sentido, a cena da tentativa de suicídio também é extremamente bela plasticamente.
Como tem ocorrido praticamente em todos os filmes importantes dos últimos tempos, a lacrosfera já achou um motivo para problematizar. Reclamaram que o ator, Taron Egerton, escolhido para fazer o papel de Elton é heterossexual, portanto “não poderia fazer o papel de um homossexual”. Esse povo é tão burro que não nota nem o perigo desse tipo de bandeira. Se, para interpretar um gay, só se poderia usar um ator homossexual, o inverso também é verdade e nenhum ator gay poderia interpretar um personagem heterossexual, o que representa uma limitação muito maior para os atores gays do que para os heteros.
E foi justamente Elton John que colocou um fim nessa bobagem, ao declarar que não via o mínimo sentido em se exigir uma coisa dessas. “It’s bullshit!!” E agora? Vão acusar Sir Elton de homofobia?
O filme é imperdível para os fãs, mas não deveria se limitar a eles. É importante, numa época cheia de lixos musicais, que as novas gerações conheçam a obra desse grande gênio. Espero que o filme faça com que os jovens procurem conhecer mais canções e melhorem o seu nível de exigência.