No 2o ato da ópera Il Rigoletto, de Giuseppe Verdi, o bufão personagem-título libera seu rancor ao cantar a ária “Cortigiani, vil razza dannata” (Cortesãos, raça vil e amaldiçoada) ao ver que nenhum dos cortesãos do Duque de Mantua se apiedam dele, que teve a filha raptada e violada pelo nobre.
Essa ópera é baseada em “Le Roi s’amuse” (O rei se diverte) de Victor Hugo, onde o nobre era um rei e não um duque. A censura da época não permitiu que Verdi compusesse sobre o enredo original, exigindo que o rei fosse substituído por um outro nobre, pois era impensável que um plebeu, Rigoletto, ousasse pensar em assassinar um rei.
Tanto na ópera quanto no romance original, chama a atenção o comportamento dos cortesãos, pessoas que podiam ser nobres de baixa hierarquia ou plebeus que viviam em torno dos nobres, num processo contínuo de bajulação e dependência. O nobre os sustentava financeiramente, pois muitos eram ou nobres falidos, ou artistas ou simplesmente desocupados e eles divertiam o nobre, o acompanhavam, eram cúmplices nas suas intrigas, etc.
Vivendo num mundo à parte, esses cortesãos, mesmo quando provenientes das classes mais pobres da população, eram indiferentes ao sofrimento desta, preferindo parasitar a nobreza e aplaudir tudo que ela fizesse. Frequentemente, como no caso da ópera, chegavam a se divertir ao ver o pobre ser humilhado pelo nobre.
Felizmente, os tempos mudaram e já não temos mais cortesãos. Ou será que temos? Teríamos ainda algum grupo de pessoas que, indiferentes ao restante do povo, vivessem de parasitar os poderosos, obtendo retorno financeiro disso?
Estamos numa fase da história brasileira onde a presidente tem 93% de rejeição por parte da população. Até antigos caciques do seu partido se posicionaram a favor do seu impeachment. Porém, ao contrário do que sempre se viu nos tempos modernos, a classe artística brasileira quase em peso, com louváveis exceções, não só não se posiciona do lado do povo, como frequentemente vem a público defender abertamente o Governo federal, não raro acusando os críticos do governo de “golpistas” ou “fascistas”.
Porém, uma simples busca no site Transparência Brasil e constatamos que todos esses artistas que parecem legitimamente favoráveis ao governo Dilma, na verdade, são beneficiários de grandes somas através da famigerada Lei Rouanet.
Uma pausa para desfazer uma falácia. Alguns desses artistas andaram afirmando que nunca obtiveram nenhum “dinheiro público” e que a verba obtida pela Lei Rouanet vem de empresas. Isso é uma mentira e seria assustador imaginar um artista que afirmasse isso sem ser de má fé.
A Lei Rouanet funciona assim: o artista pede ao Governo um determinado valor. O Governo “autoriza a captação de tanto”, ou seja, determina se o valor pedido foi aceito ou altera esse valor, digamos um milhão de reais. O artista então procura empresas e mostra a sua autorização e essas empresas DEDUZEM do imposto que iriam pagar ao Governo, esse valor e entregam ao artista.
Ou seja, o dinheiro iria aos cofres públicos como imposto. Lá poderia ser usado para comprar vacinas, construir escolas ou pagar salários. Porém, esse dinheiro agora não vai para os cofres do Governo e sim para o bolso do artista. A empresa sai lucrando pois, não gastou nada a mais (afinal já iria pagar aquilo em impostos) e seu nome aparece na lista de apoiadores do artista. Propaganda gratuita.
Como é o Governo que decide se aquele um milhão solicitado pelo artista será autorizado na íntegra ou será reduzido para 500 mil, notem que o artista depende de ser bem visto pelo Governo para conseguir o que quer. Consequentemente, esse mesmo artista não irá fazer críticas ao governo que o alimenta. A empresa igualmente não fará críticas ao governo que permite que ela faça propaganda com dinheiro que era para pagamento de impostos.
Dessa forma, chegamos aos cortesãos modernos. Aqueles que vivem de bajular os poderosos, para viver no bem bom, mesmo que rindo da desgraça do povo brasileiro, tão violado em sua honra quanto a filha de Rigoletto. Tal como afirmava o pobre bufão da ópera, são uma raça vil e amaldiçoada.