Achou estranho esse título? Pretendo fazer com que você não ache mais estranho ao final desse texto.
Qualquer liberal repete que as leis de mercado devem reger a economia. Que um produto ou serviço deverá existir se houver pessoas dispostas a pagar por ele. E os mesmos liberais geralmente criticam os esquerdistas por quererem ir contra as leis de mercado.
Mas uma das coisas que se aprende na leitura de “A Revolta de Atlas”, da filósofa Ayn Rand, é que os esquerdistas se utilizam da moral da Direita para atacá-la. E, na mesma linha, a Esquerda se utiliza das leis de mercado para atacar e até eliminar quem é considerado inimigo, curiosamente as mesmas pessoas que defendem essas leis. Por outro lado, a Direita tem se mostrado muito tímida e até envergonhada de se utilizar dessas leis a seu favor, seja por um temor intrínseco, seja por uma eficiente estratégia de shaming por parte da Esquerda.
Vamos a exemplos. Qualquer um de nós é capaz de se lembrar de algum incidente onde um grupo progressista lançou alguma campanha de boicote a uma marca ou empresa por discordar de algo que essa empresa fez. Pode ser um barzinho, por alegações – ainda que falsas – de discriminação. Pode ser um veículo de comunicação por divulgar algo contrário aos interesses desses grupos.
Há alguns anos, os defensores de animais subiram uma hashtag exigindo que a revista “Pais e Filhos” se retratasse por ter publicado a “absurda” recomendação de um pediatra de que bebês não deveriam compartilhar a cama com cães ou gatos para evitar doenças. Algo que parece meio óbvio foi transformado em “discurso de ódio” contra animais.
Há menos tempo, uma fábrica de fraldas para bebês lançou uma campanha no seu site onde os pais enviavam fotos de seus bebês e recebiam votos. O ganhador receberia um suprimento de um ano de fraldas daquela marca. Por um descuido imperdoável de quem administrava o site, apareceram fotos de cães e gatos que, por doenças diversas, usavam fraldas e, é claro, um deles foi o mais votado. A empresa, no entanto, alegou que o concurso era só para bebês, causando revolta nessas pessoas que acham que animal de estimação é filho. As ameaças de boicote e compartilhamento de protestos fizeram com que a fábrica apelasse para uma solução intermediária, premiando o bebê humano mais votado e fornecendo o suprimento de fraldas veterinárias de outra marca ao animal irracional mais votado.
No entanto, quando se trata de protestar contra alguma empresa que assume posições criticáveis pela Direita, já é bem diferente. Tanto os direitistas alegam que “não podemos radicalizar” quanto a mídia esquerdista procura rapidamente passar a imagem de intolerância à qualquer tentativa de boicote. Onde existe a intolerância quando eu decido não mais comprar de uma determinada empresa? Não estou impedindo ninguém de comprar, não estou fazendo piquete na porta da empresa, não invadi a empresa e destruí seus equipamentos, mas a mídia acusa qualquer mera sugestão de boicote como sendo absurda.
Assim foi no caso da propaganda do Dia dos Namorados de O Boticário, onde um casal homossexual trocava presentes. Alguns religiosos se revoltaram com a propaganda e sugeriram um boicote. Eu concordo com eles? Depende. Não concordo com a revolta por se mostrar um tipo de namoro que existe e é até frequente. Mas concordo com a decisão de se promover um boicote, como sendo o mecanismo mais democrático de protesto. Não procuraram o Estado para proibir as propagandas, não foram nas portas das lojas agredir clientes, só decidiram comprar perfumes em outro lugar. Mas a mídia mostrou isso como um “ato de intolerância radical”. Mas como assim? A pessoa agora é obrigada a pagar por uma propaganda que ela não aprova?
O boicote é extremamente poderoso. Pode quebrar uma empresa ou destruir uma carreira. A Esquerda tanto sabe disso que o utiliza sempre que deseja, mas demoniza quem o prega contra alguém ou alguma empresa de esquerda. Boicotar Wilson Simonal ao ponto de acabar com sua carreira artística pode, deixar de assistir ao filme Aquarius é fascismo. Ameaçar cancelar a assinatura da revista Época para forçar a demissão de Olavo Carvalho é um ato democrático, cancelar a assinatura da Folha de S. Paulo por não aceitar ser manipulado é ser “direita hidrófoba”. Eles sabem o poder que o consumidor tem sobre o mercado. Por isso querem somente para eles esse poder.
O caso mais recente de boicote, iniciado essa semana, é contra Fatima Bernardes. Aparentemente lançado por familiares de policiais, o boicote é contra os produtos Seara. O estopim foi a absurda enquete que Fátima criou em seu programa: atender um policial levemente ferido ou um traficante gravemente ferido. O resultado, sete a um para o traficante, mostrou bem o tipo de público que frequenta o seu programa. Há tempos que Fátima transformou seu programa num dos mais poderosos instrumentos de marxismo cultural da TV brasileira. A precisão cirúrgica da escolha dos temas e convidados mostra o objetivo do programa. A única forma democrática de se combater esse tipo de programa é realmente o boicote. Não só à Seara, mas a todos os anunciantes dos intervalos do programa.
Há alguns anos tivemos o encerramento do programa de João Kleber, mesmo com níveis de audiência razoáveis porque nenhum anunciante queria vincular sua imagem à de João Kleber. Já imaginaram isso acontecendo com Fátima Bernardes? Seria o triunfo das leis de mercado e do direito do consumidor.