“Lasquei minha unha! Vou me matar”

Há alguns anos, eu estava saindo de uma consulta médica e me dirigindo para meu carro num estacionamento e presenciei uma cena curiosa. Uma jovem mãe levava um garoto de cerca de 3-4 anos no colo enquanto ele chorava e gritava “eu quero ir na rua”. A mãe tentava explicar que ele não podia ir para a rua (na verdade, uma avenida extremamente movimentada) e parecia estar pedindo desculpas por intermédio enquetes ia caminhando para seu carro. Nenhuma explicação parecia satisfazer o garoto, que chorava e gemia como se estivesse sofrendo alguma dor.

Não pude deixar de pensar que, ao não se permitir que uma criança aprendesse a ouvir um “não” como resposta, esta acabava sofrendo muito mais. Os gemidos e gritos do garoto faziam parecer que ele era vítima de um sofrimento atroz. Não parecia birra e sim dor. A dor de descobrir que não era o centro do Universo.

Coincidentemente, algum tempo depois, me deparei com um artigo que afirmava exatamente isso: que crianças que não estavam acostumadas a ouvir um “não” sofriam mais na vida. A diretora do Departamento de Saúde Mental da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo) Miriam Ribeiro afirmava que crianças mimadas sofriam mais ao lidar com frustrações.(1)

Notícias recentes me fizeram voltar a pensar no assunto. Muitos já devem ter lido ou ouvido algum caso de pessoas, geralmente jovens, que apelam para o suicídio após uma contrariedade que nem parece tão grande assim. Um término de relacionamento curto; uma contrariedade numa relação comercial, uma rejeição, etc.

Geralmente, a “explicação” de praxe para esses casos é a universal e onipresente depressão. Se a pessoa estava triste, estava deprimida. Se estava feliz, estava escondendo uma depressão. Um dos motivos para isso é que algumas dessas pessoas estavam tomando antidepressivos. O que poucas pessoas sabem é que a imensa maioria das prescrições de antidepressivos não é feita para depressão e sim ansiedade. Isso sem contar os erros, pois essas medicações raramente foram prescritas por psiquiatras. Ou seja, depressão, embora seja uma das causas de suicídio, não é a única.

Outras causas de suicídio incluem surtos psicóticos, a Síndrome do Descontrole Episódico, outros comportamentos impulsivos, os quadros histéricos e as manipulações (no caso de pessoas que não pretendiam realmente se matar, mas por uma falha, o suicídio ocorreu). Durante o período do Romantismo, a publicação do romance Werther de Goethe, onde o protagonista se suicida, levou a uma epidemia de suicídios na Europa por parte de jovens cujo amor não podia se concretizar. Isso não é depressão, é impulsividade.

Mas o que vemos hoje é algo muito semelhante a um comportamento comum na infância: o “não brinco mais”. A criança, contrariada de algum modo, decidia não brincar mais e, muitas vezes, levava o brinquedo embora ou o destruía. Só que esse comportamento é praticado por adultos e a brincadeira é a vida.

O psiquiatra Bruno Lamoglia afirma que esse problema se iniciou com uma geração de psicólogos que viram a frustração infantil como inimigo. “Não! A frustração é a coisa mais maravilhosa que pode existir. Digo isso porque você pode treinar o “músculo” mais necessário para a vida: o da resiliência. A resiliência foi o que nos manteve vivos nos milhares de anos que estamos na terra” explica Lamoglia.

Nos últimos anos, tornou-se moda chamar as filhas de “princesa” e, em menor frequência, os filhos de “príncipe” ou pior, “princeso”. Mas isso não se resume a um nome, mas a todo um tratamento. Crianças que escolhem ficar com a única suíte do apartamento e os pais vão dormir num quarto pequeno; festas de aniversários de 5 anos que rivalizam com festas de casamento; crianças que possuem ponto de TV a cabo no quarto, celular, tablet, notebook, vídeo game, mas que não sabem chutar uma bola. A ideia de que ela é especial e que tem direitos acima do restante da Humanidade é incutida na cabeça da criança, pois os pais acham que isso irá garantir um futuro melhor, livre de inseguranças. Só esqueceram de combinar com o resto da Humanidade…

“Essa combinação de altas expectativas, perfeccionismo (pressão interna) e baixa resistência à frustração é fatal” complementa Lamoglia.

Por isso, pais, se vocês querem criar um filho preparado para a vida, que lide com as frustrações normais de forma positiva e cresça com elas, comece a prepará-lo já para isso. E não vai ser evitando ao máximo que ele se frustre que você irá fazer isso.

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