A Constituição brasileira e suas imperfeições

Em democracias modernas, a Constituição federal é um instrumento simbólico primordial para a fixação de garantias fundamentais, da liberdade de expressão e de ir e vir e de direitos civis dos cidadãos. Através dela, geralmente surgem transformações sociais, econômicas e culturais de um povo, já que se trata de um marco civilizatório relevante para assegurar o progresso, a justiça, o funcionamento transparente das instituições e evitar abusos ao limitar a coerção do Estado. No entanto, a Carta Magna brasileira de 1988 reserva muitas imperfeições – visíveis desde a sua implantação. O presente artigo vai ressaltar algumas para reflexão.

Voltemos ao século XIX. Desde a independência do Brasil dos domínios de Portugal, em 1822, até o presente momento, o Brasil presenciou sete constituições: 1824 (no período imperial), 1891 (no sistema republicano), 1934, 1937 (na ditadura de Getúlio Vargas, inspirada no fascismo italiano), 1946, 1967 (durante o regime militar) e 1988. Analisando sob o viés cronológico, o Brasil Império foi justamente a época de maior estabilidade constitucional, diferentemente da República, marcada por golpes, turbulências políticas e autoritarismo por parte do Estado.

Enquanto no Brasil houve sete constituições, a Carta Magna dos Estados Unidos, por exemplo, sofreu pouquíssimas alterações desde a sua existência, em 1787, tornando-se referência global não só pela soberania e pelos pilares democráticos, como também por ser direta, objetiva e de fácil assimilação (tem em torno de 4400 palavras). No entanto, a extensa Constituição brasileira de 1988 possui 250 artigos e já sofreu exatas 96 emendas constitucionais desde a sua aplicabilidade até o presente momento (julho de 2017); já a americana, em 230 anos, pouco mais de 25 emendas.

Outro destaque que permeia a Carta Magna brasileira é a proeminente ideologização, uma vez que foi concebida pouco tempo após a ‘redemocratização’, motivada pelo fim do governo militar e por um caráter revanchista e utópico. Muitos juristas e dirigentes políticos à esquerda, quando projetaram a Constituição, deram-lhe características notáveis, como garantismo, paternalismo e corporativismo. Roberto Campos, diplomata, político e um dos maiores intelectuais do século passado, costumava defini-la como “anacrônica”. Em sua obra Lanterna na Popa, salientou peculiaridades contidas na “Constituição Cidadã de 1988”, sobretudo no que concerne a excessos na citação de “direitos” quase vinte vezes mais que os “deveres”. A execução de direitos deve estar atrelada sempre ao cumprimento de deveres. Caso não seja assim, abre-se espaço para distorções e questionamentos.

A Constituição também apresenta outra mazela, a partir do momento em que desenvolveu um inflado Estado de bem-estar social acompanhado de um desmantelamento no sistema tributário nacional. A lei favoreceu a centralização da esfera federal e o excesso de gastos públicos, através de despesas obrigatórias que não param de crescer ao longo dos anos (previdência, folha de pagamento de servidores federais, subsídios, desonerações etc), comprometendo diretamente o Orçamento da União, que já financia em torno de 90% destas despesas obrigatórias. De acordo com dados do Ministério da Fazenda, referentes à Lei Orçamentária Anual (LOA) 2017, só com previdência social os gastos superam 560 milhões de reais.  Além disso, reajustes no salário mínimo ao longo do tempo, junto aos privilégios obtidos pelo funcionalismo nas aposentadorias, também colaboram para a insolvência fiscal. Existem também na Constituição desarranjos no que tange à distribuição da receita tributária entre estados e municípios – tanto que o debate sobre a implementação do Pacto Federativo toma contornos cada vez maiores.

Em se tratando de legislação trabalhista no Brasil, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é obsoleta, engessada, antiga (surgiu nos anos 40 do século passado) e não contempla a realidade atual do país e os anseios de uma economia integrada, globalizada. Só a partir da flexibilização das relações de trabalho entre empregadores e empregados, o desemprego será reduzido, sem o protagonismo de sindicatos – muitos destes revestidos por interesses político-partidários. Como retomar os investimentos por parte do setor produtivo se o Brasil é o país com maior número de ações trabalhistas no mundo (a Justiça do Trabalho já recebeu quase 4 milhões de processos até então) e o empresariado é sufocado com abundantes tributos e encargos estabelecidos pelo burocrático Estado brasileiro?

Atrelado a isso, surge o atual panorama político. Uma das sequelas que a Constituição nos legou foi o pluripartidarismo desmedido, de modo que muitas das legendas fundadas existentes funcionam apenas como balcões de negócios, intensificando o fisiologismo e a corrupção. Já é hora de rever, inclusive, o dispêndio ocasionado pela quantidade de parlamentares nas câmaras municipais, em assembleias e no Congresso, além de privilégios polpudos inerentes ao cargo – estendendo-se também a representantes de alto escalão dos poderes Executivo e Judiciário.

Diante de toda esta problemática, a aprovação de amplas reformas – política, trabalhista, previdenciária e tributária – se faz urgentemente necessária para a retomada da transparência e da confiança no país. Afinal, governos não são provedores do crescimento econômico nem do desenvolvimento.  Incumbe ao setor privado e à produtividade de cada cidadão este desafio. Por isso, o aperfeiçoamento e o enxugamento da Constituição devem ser refletidos pela sociedade e pela classe política.

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